sexta-feira, 9 de julho de 2010

Welcome to the other side!


AVISO: O PRÓXIMO POST PODE CAUSAR INQUIETAÇÃO, REVOLTA E POSSÍVELMENTE NOTAS BAIXAS.

Venho aqui propor um post um pouco diferente dos anteriores. Esse post não tem o propósito de ofender ninguém, nem ser o dono da verdade, apenas uma reflexão pessoal.


Ao longo do semestre nós lemos e discutimos como o modelo de produção capitalista trabalha para criar uma individualidade separada da coletividade, mas ao mesmo tempo massificá-la. Tornar o ser humano subserviente e replicador do modelo de existir atual.

Ficou muito claro para mim o papel que o psicólogo tem nessa questão, por ocupar um lugar de poder, de verdade. Os testes psicológicos são um dos nossos muitos instrumentos, mas não são os únicos. Artigos científicos, palestras, pesquisas, tudo são ações políticas. Estão nelas impressas nossos atravessamentos e escolhas, o lugar do qual nos falamos.

Tendo isso em visto, comecei a refletir sobre a própria disciplina. Ao longo do semestre fomos convidados a sair de nossa posição de conforto e refletir sobre nossas práticas e nosso olhar sobre o mundo. Com o documentário sobre a ação no Rio Sul e as vivências dos estagiários objetivaram a construção de um novo modo de pensar, em que mais importante que o resultado de nossas escolhas, são as próprias escolhas em si.

Acredito que o intuito da disciplina fosse produzir uma inquietação nos alunos, que nos leva-se a entender o ser humano como possibilidades, onde o Psicólogo atua não normatizando, mas oferecendo novas escolhas. Uma psicologia política que ajuda na criação de um novo modo de existir no mundo e não criminaliza o diferente.


Dito isso tudo, eu ouso perguntar: E o outro lado? O que o capitalismo tem a dizer em sua defesa?

Primeiro, me questiono: qual é o papel de uma instituição?

Sei perfeitamente que ela trabalha na normatização dos sujeitos, mas imagino que ela deva ter um outro propósito . Pegando emprestado o conceito de Meme de Richard Dawkins em seu livro Gene Egoísta, a instituição só sobreviveu ao longo desses anos porque ela tem uma função social a cumprir. Ela orienta o modo de ser e existir do homem, livrando-lhe de certas ansiedades e escolhas, do desconhecido. Durante o curso muitas vezes fomos obrigados a sair de nosso lugar de conforto, de nos inquietarmos. Mas... todas as pessoas querem isso? Se nosso papel como psicólogo é apresentar novos meios de existir no mundo, não estamos normatizando o próprio processo de reflexão? Ao combatermos o monstro, não estamos nos tornando exatamente como ele?

Vamos nos lembrar do documentário. O documentário foi muito forte para mim, pois achei que ele propositalmente relega aos sem-tetos o lugar de "bons" e os funcionários/proprietários do Rio Sul de "maus". Ora, porque não vimos entrevistas com os vendedores? Com os proprietários? Quanto dinheiro foi perdido (ou ganho) naquele dia? Quantas pessoas foram demitidas (ou contratadas)?

Nós criticamos que o shopping é um lugar público, que todos devem der acesso a suas dependências. Mas, o shopping está em um terreno particular, é preciso pagar aluguel ter uma loja no Rio Sul; o Rio Sul existe como empresa (na forma de sua administradora) e como objeto de consumo (na forma de sua estrutura física). Ir ao Rio Sul não é só ir a um “templo do consumo”, é ter uma experiência social. Muitos profissionais de marketing trabalharam ao longo dos anos para criar uma imagem específica desse produto, frente aos consumidores, aos lojistas e até para si próprios. Enquanto que o protesto pode ser um sucesso do ponto de vista de práticas sociais, é um fracasso tremendo do ponto de vista empresarial. Dependo do momento, significa uma perda de milhões de reais em ativos tangíveis (no volume de compras no shopping), um dano a ativos intangíveis (a imagem do Rio Sul) e na demissão de vários funcionários

Agora é momento que eu imagino escutar: "Herege! Como ousa defender o capitalismo! Você se vendeu ao capital e agora trabalha para normatizar as pessoas! Você é um agente do sistema!"

Bem... e se eu for? Se minha escolha é consciente, ela me faz um criminoso aos seus olhos ?

Assim como todos os outros alunos, professores e autores, também sou um agenciamento coletivo de enunciação como o @André Luiz Vale postou no blog. Ao longo desses anos de faculdade fiz muitas matérias em Administração e já conversei com muitos profissionais que trabalham em empresas. Minha conclusão é que eu não acho que o lucro seja pecado, muito menos errado.

O lucro não é fácil.

É preciso investir muito tempo, dinheiro e esforço pessoal para fazer um negócio dar certo. Nada é simples ou óbvio. Não há garantias que irá dar certo, é sempre um risco, uma escolha. No mercado globalizado e mutante atual, estagnação é a causa mortis de muitas empresas e profissionais. Então para sobreviver, nós mudamos, evoluímos, pensamos em novas possibilidades. Ora, não é exatamente a estagnação, uma das críticas que fazemos durante as aulas? Será que a mudança virou a norma no mercado?

Tendo isso em vista, acho que o exercício de crítica ao Capitalismo é muito válido, mas poderia vir com uma reflexão sobre a própria crítica que fizemos. Afinal, se o motivo da crítica é que a aula/autor/professor/estagiários querem isso, nossa escolha também não está sendo imposta pelo campo sociopolítico? Não estamos consumindo uma escolha pré-determinada? Proponho uma psicologia que não desconstrua preconceitos a fim de criar outros novos, que respeite as diferenças teóricas e no modo de existir.

No final da matéria, eu resolvo escolher o diferente. Apesar de concordar com o que os autores falam, de concordar com as vivências do professor e dos estagiários, eu acredito que o sistema não é de todo ruim. Que o Capitalismo tem seus problemas, mas que ele existe por uma razão. Não acredito que haja um ser maquiavélico que controla os rumos do capital mundial, o capitalismo foi e é uma construção sócio-histórica. E tem um motivo para existir.


“Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.”

Friedrich Nietzsche





Pedro Porto Gusmão

7 comentários:

  1. Pedro,

    Achei seu post interanssantíssimo! É ótimo ler um texto que me inquieta e me faz pensar!

    Vou tentar ser breve nos meus comentários e vou me ater apenas a questão do vídeo. Entendendo que a tentativa no vídeo era dar vida a hipocrisia do direito de ir e vir e aos processos de criminalização que nos constituem, nesse sentido percebo esse vídeo como um baita sucesso. Nunca antes eu havia pensado ou visto uma manifestação tão inteligente capaz de tornar visível normas que não estão escritas mas que existem e funcionam melhor que muitas leis instituídas.

    Quanto ao shopping ser um terreno privado que paga aluguel, ele existe enquanto espaço de livre circulação de pessoas, e a imagem do shopping center baiseia-se nisso. Como você mesmo disse ir ao Rio Sul é ter uma experiência social, então vamos colocar em análise que experiência é essa! Porque eu mesma quando vou ao Rio Sul e pior quando vou ao shopping do Leblon sou tomada por um profundo estranhamento.

    A intenção não é culpar aquele vendedor, ou dizer que ele é fruto de um sitema bandido responsável pelas mazelas sociais. Esses vendedores ao mesmo tempo que alimentam o sistema são constituídos por ele, e esse sistema não é algo dado, é algo que se organiza e reorganiza nas relações.
    Penso que a questão central não é discutir o sistema capitalista e repetir a tradição do enquadramento, colocando-o numa categoria de vilão. Assim como todas as outras coisas esse sistema é unm processo, que por sua vez produz subjetividade. Então o ponto central para mim é a produção subjetiva que se opera na lógica do capital. Não é dizer que o capitalismo é feio e bobo e que não é uma construção histórica social, mas sim colocar em evidência e análise as fissuras existentes e os processos de criminalização que decorrem daí.

    Mas essa questão que você escreveu sobre o lucro e sobre o capitalismo eu concordo... só acho que é preciso discutir que impactos sociais e subjetivos estão em jogo nesse sistema e penso que o vídeo tenha deixado isso muito evidente.

    Outra coisa acho que se fosse feito um vídeo com o outro lado da moeda teria sido riquíssimo também...

    Camilla Moreira

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  2. Oi Pedro!

    Para mim o seu post toca em um ponto fundamental e que me incomoda muito. Acho que não sou a única que já ouviu nos corredores do IP discursos sobre a promoção e acolhimento da multiplicidade.
    O irônico é que algumas das pessoas que levantam a bandeira desse discurso com tanta convicção são também aquelas que , de imediato, torcem seu nariz para profissionais e colegas que trabalham com abordagens consideradas normatizadoras.
    Parece que preconceito e arrogância se mesclam para produzir alunos com um belo discurso do múltiplo, mas com uma atitude altamente reacionária. Eles caricaturizam os psicanalistas, riem dos Cognitivistas e dos Evolucionistas... E isso ocorre, muitas vezes, sem sequer estudar qualquer autor dessas abordagens.
    Claro que não são todos que têm tal postura, mas algumas dessas pessoas me parecem apenas normatizadores escamoteados por um discurso bacana.

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  3. Oi Pedro! Oi Ve!

    Dei um tempo pro blog assentar depois da enxurrada de posts e agora estou lendo com calma.

    É isso. Concordo em gênero, numero e grau com isso que a Ve destacou. Não por discordar dos discursos sobre a promoção e acolhimento da multiplicidade [obviamente não. partilho deles], mas por esse incomodo que há muito me persegue.

    Por vezes chego a pensar que melhor faz um "normatizador" que se assuma enquanto tal do que um "promotor e acolhedor da multiplicidade" louco pra salvar o restante da humanidade [que não partilha de suas ideias] da escuridão para a Verdade.

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  4. Bem,
    eu nem sei se isso será lido por alguém mas não posso deixar de me pronunciar.
    Não entendo o que você aponta essa passagem do Nietzsche no fim de seu posta, Pedro.

    Posso ter interpretado mal, mas uma das grandes coisas que fizemos ao longo do semestre foi argumentar, colocar em análise, questionar e entender o porque dos monstros. Acredito, assim como, Lourau, Guattari, Foucault e Deleuze que estamos desde sempre e pra sempre em movimento como sujeitos. O que esses autores nos ensinam a não deixar o monstro no armário: ele irá nos assombrar, cedo ou tarde.

    Após a experiência com esses autores(falo em experiência pois não acredito que isso seja mero contato, uma mera leitura) o que podemos tirar de mais proveitoso é que o nosso exercício é um produtor de subjetividades. E é isso. Posso dizer que da mesma forma que não creio que uma pessoa seja a mesma após ler Clarice Lispector, Nelson Rodrigues ou Fernando Pessoa; acho que essa não será a mesma após poder ter petiscado o banquete que é Foucault, Guattarri, Deleuze, Lourau e cia.

    Acredito que existam muitas formas de ser psicólogo, mas também creio que há psicologias que contribuem mais para a massificação, para a padronização e para o esquadrinhamento do que outras.É possível considerá-las? Sem dúvida que sim. Mas isso é do campo da escolha.

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  5. Pedro, achei o que você escreveu uma ótima provocação, e realmente me senti provocado a pensar sobre o assunto e comentar. O que para mim é mais um ponto que conta a favor da utilização de um blog nesta disciplina, afinal você traz em destaque uma das primeiras aulas e aqui podemos continuar a refletir e trocar idéias como se aquele espaço da aula pudesse ser novamente habitado. Além disso, já passou o prazo que contava para a avaliação, e ainda vejo comentários sendo postados no blog.
    Concordo que talvez o vídeo tenha certa tendência a colocar mais a voz de um dos lados do que a do outro e que da maneira como foi feito pode aparecer ali uma primeira camada de leitura que nos apresente os “bons” de um lado e os “maus” de outro, mas acho que esta leitura também é muito influenciada pelos olhos de quem está assistindo, pois estamos acostumados a ver e a contar histórias onde devem aparecer estes dois pólos. Vou propor então outra leitura que tenta percorrer o vídeo através de outra camada. Lembrando das cenas do vídeo fiquei pensando até que ponto o efeito gerado ali pela quebra de uma barreira invisível foi algo muito forte para os dois lados e em especial para os funcionários do shopping, e concordo que seria interessante acompanhá-los e entrevistá-los, mas isso daria outro vídeo.
    Penso que ao romper uma barreira invisível, o grupo que entra no shopping acaba apontando para uma série de outras barreiras que nos cercam e isso incomoda um bocado. Não deve ter sido fácil para aqueles funcionários do shopping entrarem em contato com um outro registro de liberdade que se materializou ali, uma liberdade que não vem através do dinheiro nem da conquista individual, uma liberdade que é conquistada coletivamente e que denuncia não apenas as barreiras invisíveis que impedem de entrar a alguns mas também as barreiras que prendem os funcionários à um modelo de vida.
    A imagem que me vem é a de gatos que sempre viveram em domicílios e que nunca imaginaram que poderiam viver na rua. Um belo dia então eles se deparam com um bando de gatos que vivem na rua que resolveram passar pela casa deles. Que efeitos isso pode gerar? Alguns gatos que estão em suas casas reclamam de tal atitude e dizem que assim não é possível manter coesa uma sociedade de gatos, todos os gatos devem ter um dono e viverem dentro de casa; outros se fecham em suas casas e evitam o contato com os gatos de rua, pois aquela imagem lhes parece insuportável; outros ainda dizem que os gatos de rua estão sempre indo daqui para ali e que por isso andam sujos e não têm a certeza do seu alimento de cada dia; outros mais radicais tentam propor um plano para matar os gatos de rua; e, assim por diante, cada um a seu modo vai negando a possibilidade de existência de algo diferente. Alguns poucos talvez tentem arriscar sair de casa, pois perceberam que naquele momento o lugar que habitam ficou pequeno demais para a sua existência, mesmo que isso possa significar a morte, o risco passa valer a pena.
    Nesta altura alguém já deve estar levantando a mão e fazendo a objeção: “Você substituiu a polarização bem e mau por gatos de rua e gatos de casa.” Muito bem observado, mas o caminho não é bem esse, mais uma vez o olhar e o contar que produz tais dicotomias podem estar atuando. O comentário que faço acima não relaciona as pessoas em questão a uma forma de ser, ou seja, a algo que está na sua essência. Dada as condições de possibilidade daquele local e daquele momento proponho esta leitura, mas, em outras condições de possibilidade o funcionário do shopping pode “performar” o gato de rua e o visitante o gato de casa. O que importa é o momento e as forças que estão atuando ali e não uma suposta essência deste ou daquele personagem da história.
    Voltando ao vídeo, a partir desta perspectiva, o que parece emergir no movimento registrado é a denúncia de um determinado regime de subjetividade hegemônico que afeta tanto os que ali chegaram quanto os funcionários do shopping e não temos aí nem bons nem maus.

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  6. Tendo em vista essa discussão foi uma pena não termos a última aula que seria com um texto do livro O Papalagui. Neste livro um samoano aponta muito bem para as diversas casas de gato que construímos para as nossas vidas. Não sei se o Richard Dawkins leu este texto, mas se leu, parece que preferiu fechar a porta da loja como alguns os lojistas e não olhar para fora ou se fechar na própria casa como alguns gatos, acreditando em um regime de verdade único que não consegue espaço para dialogar com outros registros que possam colocar em questão a própria verdade em que se acredita, ou seja, com a multiplicidade.
    Por falar nisso acho bom comentar também aqui o termo multiplicidade, pois parece que a crítica é que os defensores da multiplicidade não a exercem de fato. Acho que não é tão simples assim, no meu entender o termo multiplicidade diz respeito aos modos de ser das pessoas e a teoria apresentada em sala de aula tem certa relação com este tipo de multiplicidade, diferente da relação que outras abordagens teóricas estabelecem e aí vale a pena ler e comparar.
    Relação diferente também é estabelecida com a questão da verdade, no meu entender, enquanto a maioria das teorias psicológicas está ancorada no paradigma científico que tenta chegar a uma Verdade com V maiúsculo, Guattari propõe outro paradigma, denominado ético-estético que só pode falar de verdades com v minúsculo, contingentes a processos. Também acho que é outro assunto que vale a pena ler, comparar, e tirar as próprias conclusões, ou seja, correr os próprios riscos éticos, estéticos e políticos.Welcome to the wild side!

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