sexta-feira, 9 de julho de 2010

DEPOIMENTO

Tenho 37 anos, sou Contadora, pós-graduada em Gestão em Finanças e há quase 5 anos escolhi abrir mão de um cargo de Analista Financeiro em uma multinacional espanhola para voltar para o banco de um pré-vestibular, para tentar Psicologia. Felizmente fui bem sucedida, passei para a UFRJ e hoje estou aqui. Geralmente quando conto essa história as pessoas arregalam os olhos e exclamam: nossa, que coragem! E eu penso: realmente, só eu sei o que precisei confrontar dentro de mim mesma para fazer essa escolha.
Fui uma jovem inexperiente, não tinha muita maturidade para a vida. Meus pais, por outro lado, se preocupavam em me oferecer um bom estudo, mas não primaram por me oferecer uma orientação com relação à escolha da minha profissão. Também não tive a oportunidade de passar por um processo de orientação vocacional, então segui a minha própria cabeça. Na época eu tinha uma amiga que estava se dando muito bem no curso de Contábeis, estava bem empregada na IBM, então vivia tentando me convencer a seguir a mesma carreira. E eu, como me conhecia pouco e estava mais preocupada em ganhar bem e conseguir uma boa colocação no mercado de trabalho, acabei escolhendo essa profissão. No início tudo correu bem, fiquei empolgada pois, como o curso era noturno, pude ingressar cedo no mercado de trabalho. Migrei para a área financeira, e, para continuar a crescer profissionalmente fiz também o curso de pós-graduação.
Eu me casei bem cedo, aos 21 anos, de modo que quase todo o meu desenvolvimento profissional ocorreu enquanto cuidava da casa e de um marido. O casamento durou quase 8 anos, tendo terminado quando eu beirava os 30 anos. Nessa época, eu já ocupava um cargo de maior responsabilidade na empresa. À medida que fui crescendo e tendo maior noção do que era a profissão que eu escolhi, algo começou a mudar dentro de mim. Já não me sentia feliz fazendo o que eu fazia, não me identificava com a função e ir trabalhar todos os dias se transformou num fardo. A única coisa que me motivava era a remuneração, que era satisfatória e me dava independência. A angústia era crescente. Por um lado gritava forte em mim a vontade de trabalhar em algo relacionado a Humanas; por outro, pesava o fato de eu já ter me estabelecido em uma profissão que me dava retorno financeiro. Como eu poderia “jogar fora” todo o investimento feito durante aqueles anos? Mas também como poderia continuar a trabalhar em algo apenas por dinheiro, sendo infeliz? Esse conflito me acompanhou durante mais de um ano. Tive problemas de saúde, me sentia perdida, sem saber o que fazer. Durante esse tempo passei por um longo processo de introspecção, me observando, procurando me conhecer melhor. Até que tomei coragem, e decidi que tentaria Psicologia. Antes de abandonar o emprego me submeti a um processo de orientação vocacional tradicional, voltado para adultos. O processo me ajudou muito, pois confirmou as impressões que eu tinha sobre mim mesma, e me deu mais confiança para fazer o que eu fiz. Foi a decisão mais difícil da minha vida. Foi sofrida, pensada e repensada. E só fiz o que fiz porque eu tinha uma família para me apoiar, e não tinha nenhum dependente. Se eu tivesse um filho, certamente não teria feito as coisas desse modo.
Então foi com muito interesse e curiosidade que me inscrevi nessa nova disciplina. De início achei interessante a proposta. A idéia de problematizar o processo de escolhas é interessante, nova, fresca. No entanto, algumas colocações feitas em sala de aula me causaram estranheza e um certo desconforto. Como comparar um processo de escolhas tão importante como o da profissão com os critérios adotados para escolher um sorvete ou uma pessoa para ficar em uma noite, em uma danceteria? No meu ponto de vista são dimensões diferentes, com pesos completamente diferentes. Além do mais, acho que o peso das contingências da vida (os atravessamentos) foi extremamente minimizado, como se o sujeito tivesse quase que toda a responsabilidade pelo seu destino. Como se ele fosse “culpado” por “sua derrota” ou “um herói” por “seu sucesso”. Como eu bem coloquei, eu tive o apoio de uma família, não tinha filhos, enfim, ninguém sairia prejudicado com a minha decisão, a não ser eu mesma. E ainda assim, como foi difícil!! De quantas coisas eu precisei abrir mão!!
Valorizo o lado positivo da proposta, de estimular uma autoconscientização no processo de escolhas. Nem tudo é dado, não é porque um sujeito nasceu pobre e favelado que ele precisa abrir mão do ideal de cursar Medicina... Mas é necessário levar em consideração que, para um estudante de classe média alta, é bem, bem mais fácil essa opção. E que se o jovem da favela optar por ela, é necessário que ele esteja consciente também de todos os percalços, todos os obstáculos os quais terá que enfrentar. Para que ao final ele não se sinta derrotado, frustrado – um incapaz, por não ter atingido o objetivo que almejava.
Assim, confesso que me desestimulei um pouco com a cadeira... Acho que a proposta é válida, é nova. Mas acho que ela ainda precisa ser mais discutida e amadurecida antes que seja oferecida como disciplina.

Atenciosamente,
Luiza Cristina Machado Bonela Azevedo.

Um comentário:

  1. Luiza, seu post foi muito interessante, no que tange a exemplificação de um complexo processo de escolhas, e eu concordo com você no que tange aos contextos diferentes, favorecendo tomadas de decisões nem sempre ideais. Entretanto, quanto a sua colocação em relação ao sujeito como culpado ou herói, creio que não é bem isso que a disciplina quis mostrar.Pelo que entendi, a disciplina trata o sujeito como o responsável por suas ações, mas sem culpabilizações, ou seja, o indivíduo é considerado agente de suas escolhas abrangendo-se também os atravessamentos, as contingências, que possívelmente favoreceram uma determinada escolha. Desse modo, não há culpado, nem herói, e sim um indíviduo que por mais que possua um contextO favorecedor de uma escolha, pode ter como escolha a criação de novas possibilidades de escolhas, e é nesse âmbito que o indivíduo em questão torna-se o responsável por suas escolhas.
    Quanto a disciplina, acredito que sua proposta era realmente causar tal discussão e amadurecimento, e não trazer algo já pronto. A bibliografia, a meu ver, foi um meio de trazer conceitos diferentes, os quais pudessem icitar discussões, de modo a produzir um amadurecimento gradual a cerca dos processos de escolhas.

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