sexta-feira, 9 de julho de 2010

Incerteza permanente

Sartre dizia que o homem está condenado a ser livre. Concordo com o autor quanto ao fato de sermos responsáveis por nossas ecolhas. Afinal, até "não escolher" não deixa de ser uma escolha. Porém, o próprio Sartre reconhece que nossas escolhas não são ilimitadas, na medida em que estamos inseridos em um determinado campo de possibilidades.
O mundo sempre esteve cheio de escolhas, mas até algum tempo atrás algumas delas nos eram impostas. Houve um tempo em que um filho de carpinteiro estava determinado a ser carpinteiro também. Não havia muito o que discutir. A tradição, as castas, o Estado eram mais opressores neste sentido. Não havia tanta liberdade. Hoje, apesar de todos os problemas sociais e econômicos, que também não deixam de ser opressores, o sujeito conquistou uma maior liberdade. Mas como diria o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, o sujeito ganhou liberdade e perdeu segurança. Ganhamos autonomia mas também mais incertezas pois já não há um tutor que defina o que devemos fazer ou um destino que nos ofereça garantias...


"A imagem do mundo diariamente gerada pelas preocupações da vida atual é destituída da genuína ou suposta solidez e continuidade que costumavam ser a marca registrada das “estruturas” modernas. O sentimento dominante, agora, é a sensação de um novo tipo de incerteza, não limitada à própria sorte e aos dons de uma pessoa, mas igualmente a respeito da futura configuração do mundo, a maneira correta de viver nele e os critérios pelos quais julgar os acertos e erros na maneira de viver. O que também é novo em torno da interpretação pós-moderna da incerteza (em si mesma, não exatamente uma recém-chegada num mundo do passado moderno) é que ela já não é vista como um mero inconveniente temporário, que com o esforço devido possa ser ou abrandado ou inteiramente transposto. O mundo pós-moderno está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é permanente e irredutível.
(...)
Viver sob condições de esmagadora e auto-eternizante incerteza é uma experiência inteiramente distinta da de uma vida subordinada à tarefa de construir a identidade, e vivida num mundo voltado para a constituição da ordem.
(...)
Os trens pré-modernos corriam previsível e tediosamente em círculos, mais ou menos como correm os trens de brinquedo das crianças. E os rios pré-modernos permaneciam em seus leitos por um tempo suficientemente longo para parecer imemorial...a estrutura de classe é tão fechada que cada um tem o lugar e o conhece – e o mantém.
...o novo, ou o melhor, ou progresso, havendo-se tornado o único destino oficial dos trens. Os lugares e seus nomes tinham então de ser feitos (e, inevitavelmente, refeitos_ enquanto se seguia). Na memorável frase de Hannah Arendt, a autonomia do homem transformou-se na tirania das possibilidades."

* Os trechos entre aspas foram retirados do livro "O mal-estar na pós-modernidade" de Zygmunt Bauman.

Marília Gavilan

2 comentários:

  1. Pedro Porto Gusmão9 de julho de 2010 às 22:08

    ótimo post @Marília, realmente conseguiu objetivar uma inquietude que perpasavas nas aulas.
    O ser condenado a ser livre, se vê diante das inúmeras possibilidades de escolhas e se sente intiminado pela enormidado de suas responsabilidades.

    Nada mais é dado com certo no mundo, nem o próprio mundo permanece o mesmo.

    Fico pensando se essa angustia não leva os sujeitos a procurarem um resposta, um lugar para acalentar suas dúvidas. Talvez eles procurem dentro de Igrejas, talvez dentro da Acadêmia ou simplismente tentam levar a vida sem pensar nisso.

    Talvez seja por isso que ainda existam movimentos tão que se liguem tão fortes as tradições e aos dogmas. A desconstrução de todo um modo de existir realmente não é fácil...

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  2. Pois é, Marília. É essa a minha questão... A submissão é opressora e a liberdade é angustiante. Será que nós não preferiríamos as castas, em troca de não ter de escolher e responder pelas escolhas?

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