segunda-feira, 5 de julho de 2010

Sobre a Ética do Psicólogo

Uma das coisas mais importantes que pude aprender ao longo da disciplina não se restringe somente à análise do vocacional em si, mas estende-se, provavelmente, a toda área de atuação do psicólogo. No entanto, como a matéria trata sobre a análise do vocacional, foi a partir da abordagem dessa prática que pude pensar, fazendo links com outras disciplinas, sobre questões éticas que tocam o exercício da nossa profissão.

A prática da orientação vocacional tradicional, que é amplamente difundida e aceita, geralmente responde à demanda do cliente da maneira menos incômoda possível tanto para o profissional quanto para o orientando. Na maioria das vezes aplicam-se testes que acabam por ter mais importância no processo de orientação vocacional do que qualquer outra técnica utilizada pelo psicólogo. No fim, o cliente sai com duas ou três profissões para as quais supostamente ele possui vocação. Confiando no suposto poder que o psicólogo possui para determinar a vocação profissional, o cliente provavelmente “escolherá” uma das profissões listadas acreditando ter agido da melhor maneira.

Vimos, no decorrer do curso, que a análise do vocacional propõe uma forma totalmente diferente de ajudar o cliente na escolha da sua profissão. Trata-se aqui não de desvelar a vocação, à qual se chegaria através de uma análise de aspectos da personalidade do cliente, mas de colocar em análise os critérios que o cliente usa para fazer escolhas. Nesse processo, são levados em conta os atravessamentos que perpassam o cliente, pois se considera que o sujeito é, ele mesmo, constituído por esses atravessamentos.

A partir disso, podemos pensar sobre a visão que a sociedade tem da psicologia, e de como os psicólogos a tem sustentado. Acredito que tanto no âmbito clínico, como jurídico ou organizacional, o que em geral é demandado ao psicólogo é que este forneça verdades sobre os sujeitos; verdades essas que, na maioria das vezes, são tidas como pontuais, fechadas, absolutas. No bojo dessa demanda, vemos que existe, em primeiro lugar, uma suposição de que o psicólogo possui um saber e uma técnica para extrair essas verdades.

Penso que, ao atender essa demanda, o psicólogo sustenta uma posição de autoridade, como se ele de fato possuísse meios de desvelar a verdade do sujeito. Essa postura por parte do profissional de psicologia tende a reforçar a visão da sociedade de que o psicólogo detém o saber necessário para apontar o que é melhor para o sujeito. Daí provém frases do tipo “O que devo fazer?”, na clínica, ou “Que profissão devo escolher?” na orientação vocacional. Acredito que no âmbito jurídico não seja tão diferente, e que por vezes o psicólogo acabe por ocupar uma função de juiz, ao fornecer, por exemplo, um laudo sobre o processo de guarda de uma criança.

Ora, é de fundamental importância questionar se temos o direito de emitir as verdades que são demandadas a nós, tendo a consciência de que nossa decisão implicará também na visão que a sociedade terá da psicologia. No que diz respeito a essa questão, penso que colocar em análise os atravessamentos constituintes do sujeito seja uma posição que esteja mais de acordo com a função do psicólogo, pois, deste modo, produzimos um discurso sobre os sujeitos que, embora seja mais complexo, é um discurso que corresponde à própria formação do sujeito, já que nessa formação, a complexidade necessariamente se faz presente.


Felipe Nunes de Lima

5 comentários:

  1. Gisele de Oliveira e Souza6 de julho de 2010 às 15:23

    Concordo em gênero, número e grau com o que foi colocado pelo Felipe. Esta disciplina me fez refletir sobre a prática profissional do psicólogo, indo muito além do âmbito da análise do vocacional. É necessário que o psicólogo fuja de respostas prontas, para isso precisamos ter uma postura bastante crítica com relação aos conteúdos e aos discursos que muitas vezes atravessam nossa formação. Desnaturalizar nossos instrumentos, nossas teorias e nossa prática são pontos importantes para alcançar esse ponto de vista mais crítico. Precisamos conhecer os aspectos que fizeram com que aquela teoria se constituísse de uma forma e não de outra, ou seja, precisamos conhecer como foram construídos esses discursos. Para isso, é necessário deixar de aceitar passivamente aquilo que nos é passado e refletir mais criticamente sobre isso.
    Gisele de Oliveira e Souza

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  2. Caso não haja o exame e a compreensão de onde de está inserindo, e, quais os mecanismo que precisará lançar mão a fim de que vejamos uma alteração dessa realidade. A construção de uma nova perspectiva, por menor que seja, reverbera no sistema, e é por isso que ele funciona nesse propósito, a psicologia deve se utilizar dessa característica para melhorar a presente realidade. Foucault em seus estudos defende que devemos entrar em um sistema se quisermos mudá-lo. O papel do psicólogo também está em promover essas mudanças. Devemos nos conscientizar que a atuação presente da psicologia veio como feitura das nossas próprias mãos, logo, a desconstrução da mesma deve vir por nosso meio. O psicólogo tem o dever fundamental de buscar essas mudanças, e de ocupar efetivamente o lugar que lhe é proposto.

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  3. Concordo com a Luiza, que o psicólogo é quem deve buscar essas mudanças, não podemos ser vistos como os donos da verdade, afinal quando analisamos uma realidade, é impossível o estabelecimento de um exame que abranja todos os atravessamentos da situação em questão, então é necessário deixar claro que tais diagnósticos se dão a partir do que foi possível analisar, principalmente quando refere-se a mudança drástica da vida de um sujeito, como no caso da determinação da guarda de uma criança, por exemplo.
    É imprescindível a enfatização de que somos seres humanos, e que nesse âmbito também estamos fadados a possiveis erros, para que desse modo possamos, de modo gradual, tentar desmistificar essa visão idealista que permeia o psicólogo.

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  4. Felipe Nunes de Lima8 de julho de 2010 às 21:51

    Foi exatamente esta a questão que quis colocar em discussão, senhoritas. Comecei a pensar nisso principalmente depois da última aula, que tratou sobre a devolutiva.
    Gisele fala de “desnaturalizar” nossa prática e “refletir criticamente” sobre os discursos que nos são transmitidos. Neste ponto, porém, encontramos um problema: estamos indo de encontro ao que é imposto pelo sistema capitalista, onde tudo deve ser feito com a maior precisão dentro do mínimo tempo possível. Problematizar, questionar, “refletir criticamente”... tudo isso leva tempo e o resultado final na maioria das vezes é muito menos conclusivo do que se espera. Daí a importância do que a Luiza colocou: é somente a partir de nossas ações que podemos efetuar mudanças no sistema, uma vez que, por menor que sejam, essas ações terão um efeito reverberante. Somos nós, futuros psicólogos, os responsáveis pela construção dessa nova perspectiva. È necessário que tenhamos consciência de que, em nossa prática, transmitiremos àqueles que nos cercam uma certa visão da psicologia; e de que é somente por nossas ações que poderemos desmistificar a “visão idealista” à qual Vanessa fez referência.

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  5. Gente muito legais os comentários de vocês!
    Venho aqui dar um depoimento muito elucidativo desse debate. Faço um trabalho multidisciplinar com gravidez na adolescência em comunidades e hoje aconteceu uma situação muito interessante. Fui colocada de frente com as minhas implicações éticas e políticas enquanto "psicóloga", entendi na pele o que é ter um lugar de poder e o que o meu discurso poderia produzir. Numa visita domiciliar a uma gestante, encontramos um líder religioso da comunidade conversando com a família, chegamos no fim do diálogo, o líder olhou para nós e disse: "quem é o psicólogo?" a equipe apontou para mim e ele disse em voz alta para a menina grávida, "olha essa psicóloga, entende das coisas da nossa mente, ela vai mostrar para você que essa idéia de tirar o neném´não pode ser boa pois está voltada para a morte, não é menina?" (falando comigo). Nesse momento tudo parou né? imagina se eu ia CONVENECER uma menina de 13 anos muito abalada com a gravidez a fazer qualqer coisa...

    Contei essa situação porque na hora mesmo lembrei das nossas aulas, não só dessa disciplina como a outra que faço de manhã com o Pedro. Tive a oportunidade de entender o que é esse lugar de poder e tive a oportunidade de colocar em análise ali a minha prática. meu discurso podia justificar um aborto, ou poderia justificar um não aborto! será que eu quero que a minha prática justifique algo, além de um empoderamento da menina? (não sei se empoderamento é a melhor palavra aqui)

    Mas no fim das contas esse episódio serviu para bater um papo com a menina e alguns familiares sobre a questão do psicólogo ou qualquer outra pessoa saber mais sobre a "mente" de alguém do que o próprio sujeito. Fiquei vibrante com essa experiência e achei legal (por vários motivos rs) compartilhar!

    Camilla Moreira

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