quarta-feira, 7 de julho de 2010

Escolha profissional, avaliação e outros detalhes mais.

Com relação a escolha profissional, devemos ter atenção para alguns pontos. Realizar um trabalho que não pretenda dar conta desta escolha pelo sujeito, ou seja, não acreditar na ideia de que estaremos habilitados ao fim do processo a falar qual carreira o sujeito deve seguir é o primeiro deles. Em opção a uma linha de trabalho que lançaria mão de alguns testes e entrevistas para ao final dizer em que carreira o sujeito se encaixa melhor, aparece então a Análise do Vocacional. Mas o que permite uma tomada de posição tão diferente por parte desta abordagem que não pretende desvelar uma verdade acerca do sujeito? Poderíamos aqui, chamar a atenção para inúmeros pontos que permitem esta abordagem, como uma concepção diferenciada do que é a psicologia e como ela deve ser usada. No entanto, citarei algo muito mais simples e sutil que é o fato da análise do vocacional não se preocupar em responder a demanda inicial, por entender que este não é o objetivo do trabalho. Isto retira um peso das costas dos facilitadores, permitindo assim que estes se concentrem em discutir e cartografar os processos que cada participante do grupo engendra ao fazer suas escolhas, sendo este sim o propósito de todo o processo, que vai culminar na feitura de um laudo. A meu ver, o laudo possui como objetivo, fazer com que o participante enxergue o processo que percorreu e possa tirar algo dele. É interessante notar também que a metodologia de trabalho facilita o surgimento de outras discussões fora da escolha profissional, o que muitas vezes permite que o participante do grupo vislumbre o que de fato se coloca como questão para ele, esquecendo dessa maneira a demanda inicial com a qual chegou ao grupo. Lembrando o texto “Pequeno Manual de Análise Institucional”, valorizar a crise como um momento potente, através do qual o sujeito tem a possibilidade de criar uma saída criativa para a angústia que o aflige é uma boa definição para o objetivo do trabalho. Entretanto, não podemos a priori dizer que este objetivo será alcançado, nem este, nem qualquer outro, visto que cada participante é responsável por dar sentido a sua participação no grupo e ao seu laudo, não esquecendo que através da entrevista devolutiva discutimos o laudo com cada participante.


Gostaria também de falar um pouco sobre esta ferramenta de discussão que foi também utilizada como forma de avaliação dos alunos. Na verdade, refletir sobre os motivos que geraram tanto alarde e questionamentos por parte da turma. Por que reagimos de forma tão avessa quando somos avaliados de outra maneira, que não aquelas as quais já estamos acostumados? Acredito que esta reflexão seja importante para (re) pensarmos o paradigma sob o qual estamos acostumados a trabalhar no Instituto de Psicologia. Me parece que fomos todos tão bem “adestrados” em nosso instituto, que ao simples sinal de novidade corremos para restabelecer a ordem. Esta claro que este método de avaliação carrega em si uma outra concepção sobre o que significa avaliar e sobre o que significa ser aluno. É aí que devemos nos perguntar se o modo de avaliação não se adéqua ou se nós não estamos preparados para ele. Além disso, entendo que a liberdade possibilitada por esta ferramenta também incomode, lembrando Sartre, ser livre se coloca com um dos maiores causadores da angústia humana. Dentro desta perspectiva é muito mais fácil sermos guiados por uma prova, que de certa maneira, vai dizer exatamente o que devemos fazer.


Compartilho aqui duas frases que utilizamos nos grupos para reflexão e discussão.


"Porque tenho sido tudo, e creio que minha verdadeira vocação é procurar o que valha a pena ser." (Monteiro Lobato)


Realmente, se um dia de fato se descobrisse uma fórmula para todos os nossos desejos e caprichos - isto é, uma explicação do que é que eles dependem, por que leis se regem, como se desenvolvem, a que é que eles ambicionam num caso e noutro e por aí fora, isto é uma fórmula matemática exata - então, muito provavelmente, o homem deixaria imediatamente de sentir desejo.

Pois quem aceitaria escolher por regras? Além disso, o ser humano seria imediatamente transformado numa peça de um órgão ou algo do gênero; o que é um homem sem desejos, sem liberdade de desejo e de escolha, senão uma peça num órgão?
Fiodor Dostoievski, in "Cadernos do Subterrâneo"

João Cristofaro

3 comentários:

  1. Fernanda Grisolia Rimes7 de julho de 2010 às 18:00

    Acredito que todos aqueles que estudem ciências humanas estão cientes que quebrar um paradigma instituído por um longo tempo é tarefa árdua. Acredito que todo o trabalho realizado por esta equipe durante o pré-vestibular comunitário assim como durante as aulas, está diretamente relacioando a isso. É complicado romper com amarras impostas socialmente, com as micropolíticas vigentes (capitalistas) atuando diretamente na produção de subjetividade de cada um. Isto ficou bem claro para mim a partir dos questionamentos de boa parcela dos que frequentavam a disciplina que a todo momento questionavam e estranhavam a questão da escolha proposta. Talvez por não conseguirem enxergar além de uma sociedade pré-moldada e dominadora até mesmo de suas próprias subjetividades e perceberem que eles próprios possuem escolhas diferentes de refletir sobre tal assunto, contrapondo o que está instituído e o que é socialmente aceito, até mesmo por eles.
    Aproveitando a menção a Jean-Paul Sartre no post, aproveito para dizer que para ele o homem nunca consegue escapar da sua responsabilidade de ser livre e de se escolher durante todo o tempo sendo sempre responsável por aquilo que faz dele e dos que estão a sua volta, no mundo. É a própria angústia que prepara os homens para a ação e tomada das decisões, se ela não estivesse presente seríamos todos inertes.
    Mostrar que um pré-vestibular possa ser um espaço de troca de idéias e interesses humanos e não somente um lugar de estudos, estudos e mais estudos é uma tarefa difícil entrentada em todo o processo. Visto que é necessário olhar de outra forma até mesmo a universidade que propoe um projeto de extensão, mas que está muito mais preocupada com números do que com a formação social e a produção de singularidade, contrapondo a individualidade e a eterna busca do humano em "ser melhor que o outro".
    Por isto, parabenizo toda a equipe pela força de vontade e trabalho realizado.

    Fernanda Rimes - DRE: 106026720.

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  2. Muito oportuno a citação de Sartre. O tema da escolha, mesmo usado de formas diferentes, é brilhantemente explorado nas duas abordagens, colocando o homem como um sujeito capaz de escolher, pensar o processo pelo qual escolhe, com liberdade para isso, liberdade para agir, liberdade para SER.

    Nathália Ramos Pereira

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  3. A análise vocacional trata de permitir aos sujeitos encontrar seus próprios caminhos. Não o caminho de uma vocação enquanto um chamado exterior, mas enquanto um caminho longo a ser construído. A análise vocacional consiste menos em um acontecimento pontual, do que num processo onde o sujeito é ajudado a estudar sua problemática, tendo espaço e tempo apropriados para elaborar suas próprias respostas. Este processo é um movimento de exploração e investigação da subjetividade. Usualmente os instrumentos utilizados pela "orientação vocacional" são testes e dinâmicas, além de entrevistas realizadas com o jovem, mas devemos levar em conta que, além da aptidão e desejo do sujeito, fatores como a própria adolescência, idade de mudanças e por isso, dificuldade nas suas escolha;, as expectativas dos pais e como essas concorrem para as opções de profissão a seguir que o próprio jovem se coloca; o contexto sócio-econômico que pode limitar sua escolha, etc...
    Na minha opinião, o maior desafio do psicólogo quando se depara com o sujeito que está a procura "do que fazer para o resto da sua vida" com o que vai trabalhar, é que muitas vezes o sujeito se encontra resistente ao processo da análise vocacional pois, é comum que acredite que o outro é que vai fazer a escolha por ele, e a proposta da análise é justamente o oposto: é implicar o sujeito a questionar suas próprias escolhas.

    Júlia Torres Miranda Sá.

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