quarta-feira, 7 de julho de 2010

Sobre Análise do Vocacional, Psicologia e Educação



A Análise do Vocacional Enquanto um Dispositivo Problematizador na Interface da Psicologia com a Educação

(Trabalho apresentado no congresso ABRAPSO, 2009)


Porque (re)pensar a psicologia e a educação?

No contemporâneo ainda se faz presente uma concepção de educação calcada em práticas verticalizadas, nas quais o conhecimento é acabado e rígido. O professor, detentor de saber, transmite o conhecimento ao aluno. A este cabe somente recebê-lo. Paralelamente, há uma concepção cristalizada do fazer psicológico - desvelar sujeitos a partir de um saber especializado. Essa posição do psicólogo se reproduz, ainda hoje, no contexto escolar, na medida em que este dirige um olhar clínico às demandas da escola, em busca da esterilização de conflitos e crises que constituem este ambiente. O presente trabalho aposta em outra concepção de educação e em outro fazer psicológico. Trata-se da educação enquanto uma construção coletiva, na qual os sujeitos estão implicados na produção do conhecimento; e uma prática do psicólogo que visa problematizar ao invés de responder as demandas emergentes.

"(...)o professor, tido como máquina de ensinar, se desespera quando não
consegue fazer aprender esse suposto objeto que ele quer manipular para
obter com precisão o resultado almejado. ” (PATTO, 2005, p.159)

A Análise do Vocacional se distancia da Orientação Vocacional tradicional, pois não tem o objetivo de indicar a profissão adequada para cada sujeito. Acreditamos que não há uma profissão certa a ser desvelada, ou uma essência a ser descoberta. Como o próprio nome sugere, o trabalho se propõe a colocar em análise o constructo vocação, uma vez que a noção de vocação é uma produção sócio-histórica-cultural. O objetivo dessa prática é, portanto, colocar em análise esta construção social e problematizar os processos de escolha. Não entendemos a escolha como ‘a escolha de algo’, mas como um processo que pode ser acompanhado, um movimento de forças que faz emergir certos caminhos como melhores que outros, uma construção atravessada por inúmeros fatores que se modificam no tempo/espaço. Nesse sentindo, utilizamos a escolha profissional como disparador para pensar os processos de escolha nos mais diferentes âmbitos da vida. Ou seja, atravessando o imperativo da escolha profissional, ganham visibilidade questões que dizem respeito não só à carreira, mas também a todas as escolhas da vida (mesmo quando ‘escolher’ não é um verbo disponível).

A fundamentação teórica base é a Análise Institucional Francesa, tendo como alicerce os conceitos de instituição, entrecruzamento de determinações coletivas de várias espécies, e produção de subjetividade, efeito emergente de uma rede processual de vetores heterogêneos. A Análise do Vocacional utiliza o grupo como seu dispositivo de intervenção, entendendo este a partir da concepção de instituição proveniente da Análise Insitiucional Francesa. Dessa forma, o grupo favorece o encontro entre diferentes forças instituintes, permitindo a emergência de novos possíveis e a possibilidade do estranhamento de referenciais naturalizados, construindo um processo constante de (re)invenção de si e do mundo. O dispositivo grupo potencializa a desindividualização das demandas, tornando-as coletivas, ao criar um espaço aberto para encontro de formas distintas de ser, estar e se relacionar no mundo, operando uma desconstrução de referenciais cristalizados.

Sendo assim, a Análise do Vocacional é uma intervenção que prioriza a vivência do inesperado, o estranho que desmanche territórios pré-estabelecidos, abrindo possibilidades de outros sentidos sobre a escolha, escapando de formas prontas e compartilhando dúvidas, afetos e intensidades, experimentando a criação de outras histórias.

A partir dos pressupostos da Análise do Vocacional, a prática psicológica é também alvo de análise. O papel do psicólogo, uma vez descolado do lugar de orientador, convoca os sujeitos a se responsabilizarem por suas escolhas, ou seja, se implicarem na construção de seus próprios caminhos. Dessa forma, apostamos em uma prática do psicólogo como facilitador, potencializando as falas do sujeitos, ao invés de “dizer” por ele.

"O ato de aprender, de conhecer, é necessariamente a construção de algo, é ação e não representação ...” (ROCHA, 2007, p. 12 )


Dessa forma, entendemos a Análise do Vocacional como uma prática que contribui para a afirmação de outra concepção de educação e de outra concepção de psicólogo escolar, buscando potencializar processos de singularização frente às escolhas. Ou seja, convoca os sujeitos a participarem ativamente na construção do espaço escolar e do conhecimento, apostando na construção coletiva da sociedade a partir da responsabilização dos atores que a compõe. Nesse sentido, o papel do psicólogo no espaço educacional afirma esses pressupostos, atuando como mais um atravessamento que coloca em questão as práticas naturalizadas, trabalhando na emergência de novos olhares e fazeres possíveis.

BARROS, R. B. Grupos: Afirmação de um Simulacro. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2007.

FROTTÉ, M. D. Analítica do Vocacional: percursos e derivas de uma intervenção. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Psicologia). Niterói: UFF, 2001.

GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografias do Desejo. Petrópolis: Vozes, 2000.

MACHADO, A. M. (Org.); ROCHA, M. L. (Org.) ; FERNANDES, Â. M. D. (Org.). Novos possíveis no encontro da psicologia com a educação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.

PATTO, M. H. S. Exercícios de indignação: escritos de Educação e Psicologia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.



Marina Dantas, Nira Kaufman e Flávia Lisboa

2 comentários:

  1. Fernanda Grisolia Rimes7 de julho de 2010 às 19:06

    Considero uma tentativa eficiente e válida a questão do "fazer falar" e não do "psicólogo detentor da sabedoria". Durante o texto postado mostra-se que os profissionais que trabalham com a Análise do Vocacional estão muito mais preocupados em facilitar a fala do outro do que transmitir um conhecimento pré-estabelicido socialmente. Com as devidas e, talvez, grandes diferenças, o trabalho realizado se assemelha muito com o que fiz com a professora Angela Arruda, com jovens, na Nova Holanda localizada no Complexo de Favelas da Maré. Nosso referencial teórico é diferente, pois trabalhamos com a Teoria das Representações Sociais, cunhada por Serge Moscovici em 1961, mas considero a idéia e o ideal parecidos. Acreditamos que cada grupo social possui um saber que merece estudo e atenção, a partir disso nosso trabalho não era de ensinamento, mas sim de troca de conhecimentos que não estão, em nenhum momento, hierarquizados. A partir daí, vejo semelhanças nos trabalhos, pois ambos estavam muito mais preocupados em problematizar do que passar um conhecimento que os profissionais adquiriram ao longo de seus estudos. O objetivo é que os jovens, de ambos os trabalhos, possuam um local de troca de conhecimentos e, através disto, gerar uma nova perspectiva e um novo olhar sobre a vida na comunidade.
    É interessante também a proposta de construção coletiva da sociedade e potencialização dos processos de singularização. A singularidade e a individualidade são conceitos que são diferenciados por Feliz Guattari e Sueli Rolnik no livro "Micropolítica: cartografias do desejo". A subjetivação molda o indivíduo e não o constrói. A constituição do eu se dá através das micropolíticas e relações extra e intrapessoais, do contrário, todos os humanos deveriam ser idênticos, o que não ocorre. O indivíduo em si seria uma produção de massa: moldado, serializado e dominado pela subjetivação capitalística. Onde a forma de "escapar" dessa dominação seria a produção da singularidade perante o que é instituído socialmente. A partir desse pensamento, deve existir uma responsabilização das escolhas feitas pelos sujeitos e a todo momento uma força, um movimento de singularizar o que é dado pronto a nós.

    Fernanda Rimes - DRE: 106026720.

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  2. Fernanda Grisolia Rimes7 de julho de 2010 às 19:06

    Considero uma tentativa eficiente e válida a questão do "fazer falar" e não do "psicólogo detentor da sabedoria". Durante o texto postado mostra-se que os profissionais que trabalham com a Análise do Vocacional estão muito mais preocupados em facilitar a fala do outro do que transmitir um conhecimento pré-estabelicido socialmente. Com as devidas e, talvez, grandes diferenças, o trabalho realizado se assemelha muito com o que fiz com a professora Angela Arruda, com jovens, na Nova Holanda localizada no Complexo de Favelas da Maré. Nosso referencial teórico é diferente, pois trabalhamos com a Teoria das Representações Sociais, cunhada por Serge Moscovici em 1961, mas considero a idéia e o ideal parecidos. Acreditamos que cada grupo social possui um saber que merece estudo e atenção, a partir disso nosso trabalho não era de ensinamento, mas sim de troca de conhecimentos que não estão, em nenhum momento, hierarquizados. A partir daí, vejo semelhanças nos trabalhos, pois ambos estavam muito mais preocupados em problematizar do que passar um conhecimento que os profissionais adquiriram ao longo de seus estudos. O objetivo é que os jovens, de ambos os trabalhos, possuam um local de troca de conhecimentos e, através disto, gerar uma nova perspectiva e um novo olhar sobre a vida na comunidade.
    É interessante também a proposta de construção coletiva da sociedade e potencialização dos processos de singularização. A singularidade e a individualidade são conceitos que são diferenciados por Feliz Guattari e Sueli Rolnik no livro "Micropolítica: cartografias do desejo". A subjetivação molda o indivíduo e não o constrói. A constituição do eu se dá através das micropolíticas e relações extra e intrapessoais, do contrário, todos os humanos deveriam ser idênticos, o que não ocorre. O indivíduo em si seria uma produção de massa: moldado, serializado e dominado pela subjetivação capitalística. Onde a forma de "escapar" dessa dominação seria a produção da singularidade perante o que é instituído socialmente. A partir desse pensamento, deve existir uma responsabilização das escolhas feitas pelos sujeitos e a todo momento uma força, um movimento de singularizar o que é dado pronto a nós.

    Fernanda Rimes - DRE: 106026720.

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