quarta-feira, 7 de julho de 2010

A difícil tarefa de escolher

Após 3 meses e alguns encontros discutindo sobre a análise vocacional, me deparo tão angustiada quanto o cliente citado nas aulas que é intimado a definir o preço das suas sessões. A mesma liberdade dada a ele é dada a mim nesta avaliação final. Sem uma questão delimitada, sem pontos obrigatórios a serem abordados, posso discorrer sobre qualquer ponto pertinente à disciplina. Reflito então sobre o que falar. Fico em dúvida se falo sobre os pontos que mais me interessaram durante o curso, ou se discorro sobre os pontos que tenho mais segurança e conhecimento. Ou, ainda penso quais são os os assuntos que me fariam ter uma nota maior nesta avaliação.
Por um minuto, fico frustrada. Acredito que depois de tantas explanações sobre o processo de escolha e ao final do curso, era minimamente esperado que eu estivesse sabendo escolher “melhor”. Digo, mais rapidamente, mais facilmente. E então, me pego pensando que a Análise Vocacional vai além, muito além disso.
No início dos encontros, vimos que “a Orientação Profissional nasceu como uma prática cujos objetivos estavam diretamente ligados ao aumento da eficiência industrial”. Na intenção de evitar acidentes, era necessário detectar trabalhadores inaptos para determinadas tarefas. Durante quase todo o século 20, a Orientação Vocacional permanece com o objetivo de encontrar ou desvelar a vocação/aptidão das pessoas para tarefas, funções, profissões. Embora os métodos utilizados tenham se modificado com o passar do tempo de acordo com as diferentes linhas de pesquisa. Por muito tempo a Orientação Vocacional ficou atrelada a utilização de testes psicométricos.
Com base na Orientação Vocacional surge a Análise Vocacional. Diferentemente da primeira que tem por objetivo a indicação de aptidões, profissões, ou tarefas, a AV vai problematizar o modelo de orientação vocacional tradicional, a utilização dos testes psicológicos, e a existência de “vocação”. A escolha de uma profissão passa ser apenas um dispositivo usado para se pensar todo o processos de escolher. E se falamos de escolha, estamos falando também de conflito, risco, insegurança, angústia, medo.
Sendo assim a minha frustração inicial, desaparece. Escolher o que escrever num trabalho ou numa prova, ou apenas escolher é a arriscar-se. E diferente de uma aposta que implica em acerto ou erro, escolher é sempre perder. Qualquer escolha, nos faz abrir mão (ainda que momentaneamente) de uma ou de várias outras opções.

FROTTÉ, M. D. Analítica do vocacional: percursos e derivas de uma intervenção. 2001. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói.


Natalia da Conceição Rodrigues

3 comentários:

  1. Gostei da aproximação entre você, como estudante sendo avaliada pelo blog, e o cliente que participou de todo o trabalho de AV.
    Porque ambos realmente têm algo em comum: como eu posso retornar o trabalho que aconteceu (um pagamento, em um lugar dinheiro e em outro um texto) que seja suficientemente justo, mas que também seja possível na minha realidade? Será que o bastante, será que é demais?

    Me faz pensar o quanto nosso lugar - de professores, alunos, estagiários, profissionais, clientes, sujeitos - é extremamente complexo, delicado, tenso.

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  2. Gisele de Oliveira e Souza7 de julho de 2010 às 23:21

    Durante toda a disciplina o processo de escolhas sempre foi o foco,não vimos entrevistas que buscassem desvelar uma vocação, até vimos testes psicológicos, mas só para percebermos o quanto raso e muitas vezes "místico" um resultado de teste psicológico pode parecer. Acredito que pudemos analisar nesta disciplina nossos próprios processos de escolha e tentar perceber quais critérios utilizamos para fazê-las, saindo deste lugar de superioridade que muitas vezes é assumido pelo psicólogo em uma avaliação, no nosso caso mais específicamente, em uma orientação vocacional.

    Gisele de Oliveira e Souza

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  3. E eu continuo me perguntando: será que ainda não continuamos a manter essa lógica do trabalho, da produção e da resposta?
    Muitas vezes me vejo imersa numa angústia sem fim em relação ao nosso papel de psicólogos. Muitos já devem ter presenciado este ar angustiado que me afoga toda vez que levanto a mão para colocar uma pergunta.

    Responder, produzir e estimular seria muito mais fácil, não promoveria tanto desconforto e não mexeria tão profundamente nas minhas questões pessoais. Mas ao mesmo tempo, não pôr em análise, não questionar e não se colocar em constante movimento seria aceitar toda uma lógica da produção capitalística e uma consequente mortificação do eu.

    Saber que muitos compartilham dessa dificuldade conforta...

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