terça-feira, 6 de julho de 2010

Escolha e ponto.

Escolha a profissão certa. Tempo é dinheiro. Por isso, se fizer a escolha errada, você perderá os dois. Tempo e dinheiro. Ou seja, será o seu fim.

Esse é o típico discurso que nos leva à procura de serviços de orientação profissional, que são nada mais do que uma proposta, dita científica, que reforça certo mal-estar. A ânsia por respostas prontas, eficientes e satisfatórias para tudo, tão própria desse esquizofrênico mercado de trabalho e, de certa forma, presente em todas as esferas da vida, nos impede de parar e pensar em outros caminhos, em alternativas, em modos de vida não capturados ou minimamente resistentes ao mal-estar gerado por essa ansiedade. O discurso da orientação profissional surge, então, como aquele que justifica e reafirma esse mal-estar. Acolhe o sofrimento daquele que não se decide como um problema, uma anomalia, pois todos têm que se decidir. Numa linguagem foucaultiana, esse é um discurso que visa apenas justificar práticas anteriores ao próprio discurso; um discurso que visa docilizar corpos a um modo de existência. Mas por que todos devem se submeter a esse modo de existência? A análise sócio-histórica dessa questão é o suficiente, a meu ver, para “destruir” essa ciência.

Contudo, o mal-estar está aumentando e a orientação profissional está morrendo diante das inúmeras ofertas, na internet, de respostas prontas e ainda mais rápidas para a escolha profissional. Afinal, a rapidez nessa escolha deve se alinhar à rapidez do resto do mundo. Um ótimo exemplo é o teste vocacional disponibilizado no site do consultor Carlos Martins, onde ele diz que, pelo teste, é possível você conhecer mais de você, como se esse “você” fosse uma coisa pronta, imutável, que caiu do céu e que obrigatoriamente vai – mais uma vez o tem que – se adequar a alguma profissão. Vejamos o anúncio, no qual tomei a liberdade de acrescentar alguns comentários politicamente incorretos:

Conheça mais sobre você e descubra qual a profissão que combina com seu jeito de ser (despertou minha curiosidade, um teste que sabe mais de mim do que eu mesmo sei):

Este é o teste vocacional mais utilizado hoje no mundo inteiro (ok, não precisa colocar “inteiro”, só o “mundo” já me convenceu)! Criado pelo Consultor Carlos Martins a partir de um método inventado nos Estados Unidos (falou nos EUA, pronto, a gente sabe que tudo que vem de lá é confiável e da melhor qualidade, vide Mc’Donalds), pelo psicólogo e educador John Holland, que já foi adotado por outros países (“psicólogo” é a palavra mágica, junto com um nome americano, então...). É simples (parece anúncio televisivo da Polishop): descubra quais são suas preferências, junte a isso sua personalidade (traços hereditários + experiências pessoais = personalidade) (“traços hereditários” e uma pseudo-fórmula matemática são elementos que também convencem bastante) e você descobrirá qual a profissão que lhe convém.

E, logo abaixo, o link que decidirá sua vida. Ou não. Boa sorte.

Fonte: http://www.carlosmartins.com.br/testevocacional.htm

Rafael Reis.

2 comentários:

  1. "Escolher a escolha é algo mais do que simplesmente escolher entre alternativas decidíveis, isto é, possibilidades previamente estabelecidadas.Para que a escolha da escolha se faça, é preciso que o indivíduo se encontre diante de um indecidível, isto é, de uma experiêcia-limite em que não há qualquer solução possível, experiência sempre problemática para o pensamento, já que nesta instância, pensar é sempre criar novos modos de existência."
    Este fragmento que retirei do texto do Auterives Maciel Junior, nos ajuda a refletir sobre esse tão polêmico lugar que o psicólogo vem atuando. Na disciplina, muito discutimos sobre a forma proposta de atuação do psicólogo, como essa que lemos acima.
    Temos visto, como o Rafael muito bem citou no seu post, um local de poder do psicólogo, como o ser que detém as respostas, que retiraria da sua "cartola mágica" as soluções maravilhosas para seu paciente/cliente. Capaz de apontar a melhor direção, o psicólogo utiliza-se de suas técnicas fantásticas que desvelam uma essência, talvez um dom.
    Nesse sentido, quando lemos o referido texto, vemos a proposta de um deslocamento do psicólogo desse lugar de poder, de dizer o que escolher, para colocar em análise junto com o indivíduo o processo de escolher, o como escolher. E pensar esse processo de escolha, é criar um modo próprio de escolher, escolhendo com que critérios vai escolher, que em si já é uma escolha.

    Nathália Ramos Pereira

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  2. Quando li o que o Rafael postou, logo lembrei do Pedro Paulo falando durante a aula a cerca nossa necessidade de respostas prontas, de pessoas que nos falem o que fazer... Realmente isso é muito mais cômodo não?
    Estamos inseridos em um mundo capitalista,no qual a rapidez é o que importa, no qual a frase: "tempo é dinheiro" é a que permeia. E é nesse contexto, que o psicólogo enquanto "o senhor da verdade" é adequado, posto que havendo um profissional para analisar e escolher para as pessoas , tornar-se-ia possível um melhor aproveitamento do tempo, e uma comodicidade no que tange a culpabilização das escolhas, ditas erradas .
    É essa visão que deve-ser abolida! é a partir disso que nós, futuros psicólogos devemos trabalhar... Devemos mostrar que um melhor aproveitamento do tempo, não necessariamente deve remeter-se a rapidez, e que muitas das vezes, não cabe à escolha a classificação de boa ou má.
    Enfim devemos primordialmente desconstruir certos pensamentos vigentes para posteriormente nos fazermos entender enquanto seres normais sem detenção da verdade ou de alguma espécie de poder incomum

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