sexta-feira, 9 de julho de 2010

Sobre a responsabilidade

Discutimos muitos tópicos ao longo desta disciplina. Para mim, o mais importante – não que seja o mais importante, mas é o assunto que me causa, e é também a minha questão de pesquisa – é a relação entre ciência e verdade, passando pelo nosso lugar de pretenso/suposto saber. As referências das quais eu parti talvez sejam outras, mas o ponto de chegada é o mesmo.

A coisa está perdida. A verdade está lá fora, fora de qualquer subjetividade possível, fora de qualquer mundo possível, na medida em que o mundo é tão somente aquele construído pela subjetividade compartilhada. Nesse sentido, a ciência, como parte desse mundo em construção, não tem mais direito do que qualquer outra manifestação humana de reivindicar para si o estatuto de verdade. Se nos últimos 300 anos ela recebeu o carimbo de legítima, é preciso buscar as explicações para isso na história.

Quando eu iniciei minha graduação, lembro que a grande questão era saber se psicologia é ou não ciência. Eu entendia que o que tornava uma psicologia mais digna do que a outra – porque sabemos que há muitas psicologias – era a constatação de sua superior cientificidade. De fato, ainda me parece que a brigalhada entre as diferentes escolas se baseia em acusações que poderiam ser resumidas em: “eu sou menos metafísico do que você, o que você faz é uma gambiarra subjetivista.” E se pensarmos a história da psicologia, não foi desde o começo uma corrida em busca da objetividade?

Eu não vou defender aqui que a psicologia seja ou não uma ciência. Minha questão é: qual é a vantagem em ser? Em que a ciência é superior aos outros saberes? Sem dúvida, nessa modernidade em que vivemos, ela é mais legítima – na medida em que é legitimada pelas pessoas – e para nós psicólogos há muitos benefícios em nos intitularmos cientistas. Podemos nos valer dos argumentos de autoridade. Podemos dizer para os outros o que eles devem fazer. Podemos afirmar: “você tem vocação para a engenharia, e não para a biologia. Eu sei, porque sou um cientista e apliquei um instrumento objetivo para chegar a esse resultado.”

É confortável também para aquele que recebe o seu diagnóstico. Digo isso porque nós reivindicamos liberdade, mas ao mesmo tempo sabemos bem como a liberdade é angustiante. Com a liberdade vem junto a ética, a implicação e a responsabilidade. É muito mais seguro cursar engenharia porque o psicólogo assim recomendou – e se der errado culpá-lo por isso – do que fazer sua própria escolha e responder inteiramente por ela. A verdade é que nós adoramos os especialistas, plenos de saber. Eu lembro de uma professora que dizia, a esse respeito, que atualmente ninguém precisa mais se dar ao trabalho de pensar sobre a origem e a finalidade da vida, pois todos estão convencidos de que em algum lugar há um cientista – provavelmente nos EUA ou na Alemanha – que busca por essas respostas num laboratório sofisticadíssimo. Em breve, acreditamos, seus achados estarão disponíveis na wikipédia.

É claro que essa submissão tem conseqüências. “Nunca fomos modernos”, certo? Ficamos com o sofrimento psíquico, e voltamos ao psicólogo, já que ele deve saber como curá-lo.

Tudo isso para dizer que a psicologia é do campo da ética. Se sabemos disso e ainda assim reivindicamos a autoridade da objetividade, agimos de má fé. Sendo assim, nos resta ficar com a angústia da responsabilidade por cada escolha que fazemos no exercício de nossa profissão, assim como nos outros aspectos de nossas vidas.

Marina Cardoso

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