terça-feira, 10 de maio de 2011

"Escovar a história a contrapelo"

Gostaria de voltar a uma aula passada, não me lembro qual foi.
Fiquei com uma frase marcada e achei interessante relacioná-la com uma poesia do Manoel de Barros.
Lívia contava-nos sobre um de seus atendimentos na Maré. Num deles, o adolescente diz querer ser alguém na vida. Achei a intervenção da Lívia brilhante: “E o que é ser alguém na vida?” (Acho q foi mais ou menos assim. Foi o que me ficou marcado.)
Mas enfim, sua intervenção lembrou-me o poema de Manoel de Barros "Uma didática da invenção". Para quem não o conhece, aí está:

"Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear.
Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.
Usar palavras que ainda não tenham idioma."

Por que ser alguém na vida é necessariamente ter uma profissão, ser graduado em alguma coisa, ganhar muito dinheiro, enfim... Por que aceitamos este modo-indivíduo sem questioná-lo ou sem tentar “desinventá-lo”?
Sobre a intervenção da Lívia, achei brilhante, pois muitos responderiam a este jovem, que sim, que dele deve estudar, ser médico, atingir um fim específico, um status, enfim, alguém que se enquadre nos moldes da subjetividade capitalística.
Devemos “escovar a história a contrapelo” (Walter Benjamin). Subverter a função do pente é um meio de escovar a história a contrapelo. É claro que não podemos voltar ao tempo, nem fingir que esquecemos o que sabemos, mas o que podemos fazer é localizar a pergunta no uso que se faz do que sabemos. Assim, o que fazemos da Psicologia? Este grupo tem me feito questionar o uso que faço deste saber, o poder que temos sobre ele, e de que forma podemos inventar outras práticas, sem reproduzir normas, padrões imersos em nossa subjetividade.

(Maria Luiza Iusten)

5 comentários:

  1. Oi Maria Luiza!

    Então, primeiramente, poxa, obrigada pelo brilho rss... mas o que coloquei para a jovem em questão, que disse que nos procurava porque ela queria ser alguém na vida, na verdade, foi algo como "mas você já não é alguém?". Essa minha intervenção naquele momento buscou provocar a fala da menina no sentido de perguntar porque ela não seria alguém ainda, como se ela já não fosse. Esse tipo de frase "para ser alguém na vida", parece anular os sujeitos que a dizem, como se a sua condição presente fosse a de "ainda não encaixado no que denominam ser alguém na vida": como se indicasse uma existência não legitimada, que só ganha reconhecimento quando busca estar no modo de ser sujeito que se legitima hegemonicamente.
    Mas a pergunta que você escreveu "mas o que é ser alguém na vida?", foi colocada logo em seguida, quando ela não soube dizer porque ela já não era. Isso veio como desdobramento. E o mais curioso, foi a resposta dela de não saber porque ela queria ser alguém na vida, visto que ela já era. Foi curioso ver ela constatar um paradoxo, o seu corpo parecia não compreender o que ele mesmo dizia. Foi como se ela tivesse repensado toda a sua condição.
    Essas percepções de si em relação a um modo de ser sujeito são construídas de um jeito que nós absorvemos essas categorias sem questionar de onde elas possam ter vindo. Fui eu quem criei isso pra mim? Podemos pensar aqui em como alguns modos de ser acabam se legitimando mais que outros, porque alguns discursos, saberes, ou até mesmo desejos, são mais legitimados que outros. Mudando a perspectiva, porque o desejo de ter o carro do ano pode acabar sendo ou não sendo legítimo para nós? Porque o desejo de ser mãe aos 17 não seria legítimo? Enfim, eu poderia pensar em alguns exemplos de "desejos" que acabam ganhando respaldo ou não dentro de um contexto. Frente a essa encruzilhada, onde todos nós estamos, o que fazemos com isso? Potencializar os desejos seria colocá-los em análise, por mais que depois a pessoa siga ou não desejante da mesma coisa. A potencialização não significa somente confirmar uma escolha... é sustentar também a escolha pelo não escolher... é permitir pensar a legitimação ou não disso. Não somos nós quem podemos legitimar ou não... mas podemos permitir que o sujeito fale sobre como ele se legitima, como ele se autoriza a desejar e sustentar ou não isso.
    Acredito que isso seja uma aposta ética para toda atuação psi, não somente para a proposta de Análise do Vocacional. Permitir um espaço pro desejo é permitir a vida para sentidos outros que nunca alcançaremos, a não ser aquele outro, inacessível, cujas construções, produções e (im) possibilidades, serão sempre para além dele e para além de nós. São potências que estarão ali se desdobrando para invenções autênticas que se darão como delicados respiros frente a sufocamentos e desligitimações nossas de cada dia.

    Livia.

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  2. OBS: É preciso, antes de mais nada, reconhecer que nós nunca alcançaremos o que esse outro levará desse espaço proporcionado...

    Livia.

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  3. Alguém tirou meu comentário daqui gente?

    Livia.

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  4. Que lindo poema!
    Realmente, escovar a contrapelo exemplifica muito bem... porque ao fazê-lo se deixa tudo eriçado elétrico em uma anarquia de direções... depois dalí os pelos vão cair um por um a seu bel prazer em sua própria direção.

    Aymara

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  5. nao lívia.
    ele ainda tá aqui sim
    é o primeiro

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