terça-feira, 17 de maio de 2011

1984 e a Análise Institucional

Pessoal, encontrei este texto na internet e apesar de ser longo, achei muito interessante por apresentar a análise institucional a partir do livro de ficção científica: 1984 de Orwell. Além do mais, contemplar a produção acadêmica de graduandas em psicologia de outra universidade federal, a meu ver, pode favorecer diálogos interinstitucionais.

Espero que gostem do texto, que se encontra no endereço eletrõnico: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:A6HjSaBQLhoJ:analiseinstitucional.wordpress.com/+%22aN%C3%81LISE+INSTITUCIONAL%22&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br&source=www.google.com.br

Luciana Pucci Santos

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Sobre o Estado:
maio 10, 2009

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ESTADO PARTINDO DA PERSPECTIVA DE GEORGE ORWELL NO LIVRO 1984

Taís Ziegler e Bárbara Bezerra[1]

A Análise Institucional surge nos anos 70 como uma abordagem que propõe, através da articulação de conceitos e instrumentos de análise, a partir da emergência de dispositivos que venham a provocar os sujeitos constitutivos de tal instituição, a transformação dessas instituições e suas ações. Traremos então, o Estado futurista imaginado por Orwell no livro 1984 como nossa instituição.

A Obra traz uma reflexão acerca dos estados totalitários no momento pós-guerra que acabam tomando conta de vários países instituindo com o nazismo, stalinismo, fascismo e comunismo, regimes de governo antidemocráticos. Entendendo o conceito de Estado como sendo um processo coletivo onde a nação é esta coletividade limite, a “comunidade das comunidades” como coloca Burdeau e o Estado como sendo a “instituição das instituições” segundo Maurice Hauriou, então, temos a primeira contradição acerca da coletividade que inexiste no Estado de Orwell, pois a coletividade só existe quando os indivíduos estão implicados na formação desse coletivo, uma vez que o Estado posto em análise, se instaura de forma autoritária utilizando a repressão para que não houvesse qualquer tipo de manifestação coletiva, onde até a relação entre pessoas de sexos opostos era “proibida” (o relacionamento, homem-mulher, era visto como sendo funcional, pois deveria ser apenas com objetivo da procriação, o amor era subversivo), transformando os indivíduos em peças para servirem ao estado através do controle total.

Georges Burdeau, trazendo a idéia de que a institucionalização não seria um fato sociológico e sim um ato jurídico, criador do Estado, afirma que o Estado se forma quando o poder assenta numa instituição e não num homem, surgindo assim a segunda contradição, pois no estado criado por Orwell o poder maior é dado a uma figura humana, o Grande Irmão (Big Brother), que passa a dominar a população através de práticas de controle, como a utilização de teletelas para vigiar a sociedade, a redução do idioma (novilingui), e extirpando a memória da população para que não se tenham referências históricas para que se desenvolvam críticas, nivelando assim a sociedade de acordo com os interesses de dominação, onde apenas uma única pessoa comandava a todos. O Estado serviria para a manutenção de um status quo.

Como ferramenta da instituição totalitária que é o Estado governado pelo grande irmão, o partido IngSoc, se materializa passando da superestrutura para a infra-estrutura, na forma de quatro ministérios. Ministério da Verdade, responsável pela falsificação de documentos e construção de uma realidade favorável ao partido, no qual o personagem Winston, que é o personagem principal dessa ficção, trabalha e percebe essa distorção da realidade fazendo com que uma série de questionamentos o levem a resistir a essa simulação de realidade criada pelo grande irmão; o Ministério do Amor, responsável pelo controle rigoroso de seus cidadãos, ironicamente atende por esse nome, pois a descrição do prédio em que funcionava esse ministério era assombradora, sendo lá o local onde eram levados os dissidentes, traidores, subversivos. Os recursos do aparelho repressor do estado totalitário do Grande Irmão eram inúmeros, a paranóia social e a patrulha ideológica transformavam todos os cidadãos em possíveis vigilantes e carrascos; havia ainda o Ministério da Paz, responsável também ironicamente pela Guerra, pois no livro, a guerra é considerada um instrumento de manutenção do poder do Grande Irmão. As regras do partido eram: Guerra é Paz, liberdade é escravidão, Ignorância é força. Encontrar no outro distante um inimigo faz com que não se questionem as contradições dentro do estado totalitário e cria um sentimento coesivo típico de uma sociedade em que o estado permeia todos os níveis de relações sociais. O último é o Ministério da Fartura, que costumeiramente divulgava uma serie de boletins das produções materiais da Pista Número 1 (nome do país fictício de Orwell). Esses boletins vinham com números adulterados para simular uma possível produção excessiva dos bens e dar uma impressão de comodidade aos cidadãos. Mais uma maneira de distorção da realidade por aparelhos estatais, não muito diferentes do que faz a imprensa hoje em dia.

Numa acepção sociológica, Marx e Engels explicam o Estado como fenômeno histórico passageiro, oriundo da aparição da luta de classes na sociedade, desde que da propriedade coletiva se passou à apropriação individual dos meios de produção. Portanto, trata-se de instituição que nem sempre existiu e que nem sempre existirá, estando fadado a desaparecer, enquanto poder político. Estando aqui bem claras as concepções de autodissolução empregados na Análise Institucional, o Estado é o poder organizado de uma classe para opressão de outra, estando esses dois em movimento dialético, então, “Se toda a história é história da luta de classes é porque a história sempre foi a mesma coisa, numa palavra, pré-história.”

Uma vez que o livro foi escrito em 1948, estamos a sessenta anos à frente das previsões que George Orwell teceu em seu livro. Na época, ele fazia uma crítica de acordo com o que eles estavam vivendo, ou seja, uma crítica ao Comunismo, que teria surgido com o objetivo de dar outra solução diferente do capitalismo. Acreditando que hoje vivemos num mundo bem diferente do exposto acima, longe das sombras “terríveis do comunismo”, percebemos ao analisar a obra de George, que o nosso sistema capitalista não é muito diferente da crítica do livro, instaura-se numa produção de alienação, falta de sentido, uma verdadeira crise de identidade e que, revestida de uma pseudo-democracia, vivemos aparentemente em uma sociedade livre, a obscuridade e sutileza com que somos dominados produz uma apatia frente ao pensar, e são impostos modelos que devemos seguir. Nossas escolas muitas vezes são vistas como aparelhos ideológicos, com a finalidade de reproduzir a submissão frente a uma ideologia dominante, onde produzir, criar e até errar são desvalorizados, pois a criatividade gera transformação e o Estado necessita de uma manutenção dessa ordem. O sistema em que vivemos é pautado numa lógica esquizofrênica, pois ele não consegue ser sustentável, de maneira que a procura desenfreada por acumulação de lucros está baseada no capital intensivo e este é intimamente ligado aos recursos naturais, uma vez que esses recursos são esgotáveis, em que as variáveis econômicas não incluem os fatores sociais e ecológicos, estando portanto fadada ao fracasso. Hoje ao lermos o livro que é uma distopia, que ao contrário da utopia, é uma situação de anormalidade e traz numa forma irônica, mas muito coerente e real, um alerta ao estado capitalista em que vivemos hoje: “Capitalismo é o espaço de contradição paradoxal entre impacto do processo de circulação do capital e mecanismos de controle e disciplina normalmente vinculados ao estado, à família, às instituições.” (2008, p. 142). O mundo globalizado perde referências e a memória acaba por se esvair ao longo de tantas normatizações. Ainda não conseguimos provocar mudanças significativas na história, ainda vivemos em um mundo pautado numa lógica que foi tão institucionalizada e incrustada no nosso pensamento, que não conseguimos provocar fissuras para que esse modelo seja reestruturado e a partir daí, que realmente façamos uma revolução de paradigmas. Já que “os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo os paradigmas inscritos culturalmente neles. Os sistemas de idéias são radicalmente organizados em virtude dos paradigmas.” (MORIN, 1991 p.188).

Vários autores e pensadores como Geoffrey Chew, Fritjof Capra, David Bohm entre tantos outros, tentam agora desenvolver novas teorias filosóficas que reúnam condições de criar novas visões de mundo, a filosofia bootstrap, ao cindir com a visão antiga que procura elementos fundamentais e leis que regem certos tipos de movimentos, buscando explicações exatas, verdades e certezas, traz essa nova visão do universo como sendo uma teia de relações onde não existe centro e sim processos dinâmicos inter-relacionados. Alberto Guerreiro Ramos extrapolando essas pesquisas para o campo das relações sociais e políticas junto com a visão sistêmica dos sistemas administrativos, procura demonstrar a importância de processos descentralizadores, cooperativistas e ecológicos.

Vimos nesta análise que a experiência histórica socialista ruiu, vítima de sua pragmática identificação com o progresso material (isso vale para o Estado e as pessoas), o comunismo empenhou-se em desenvolver a infra-estrutura, e não na formação da sociedade civil e na democratização da estrutura política. Tanto o capitalismo como o comunismo, estão inseridos na perspectiva materialista da construção de riqueza, em que esse capital estaria norteando suas ações. Uma sociedade que entendesse que esse conjunto inter-relacionado de pessoas, sistemas e organismos vivos, deveriam estar de acordo com os movimentos da vida, como na visão biocêntrica, que a vida seja o centro dando conta de todas as variáveis sociais e ecológicas, assim, permitindo que nada fosse centralizado e nada fosse excluído das condições que exigissem a perpetuação da VIDA em todas as suas formas. A igualdade seria atingida num nível de cooperação entre os seres ligados nessa teia dinâmica, onde a liberdade de pensar e criar daria condições para “evoluirmos” de forma coletiva e não individualista, através do cooperativismo e não competitivamente, como propõe a autogestão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANTES, P.E. O que está vivo e o que está morto no manifesto comunista? Estud.av. vol.12 no.34 São Paulo Spt./Dec. 1998. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141998000300017&script=sci_arttext

CAPRA, Fritjof. Sabedoria Incomum. Editora Cultrix – São Paulo. 1990.

BURDEAU, Georges. O Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2005

HAURIOU, Maurice. Principíos de derecho público y constitucional. Trad. de Carlos Ruyz del Castilho. 2. ed. Madrid : Instituto Editorial Reus, [s.d.].

MORIN, Edgard. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1991.

RAMOS, A.G. A nova ciência das organizações. Uma reconceituação da riqueza nas nações. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1981.

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