sexta-feira, 22 de abril de 2011

Um incômodo

Refletir sobre a "escolha da escolha" é algo que muito me incomoda. Não entendam incomodar no seu sentido negativo, de algo que não quero perto, mas sim em um sentido muito próximo ao de Piaget, algo que provoca um desconforto e que posteriormente propiciará momentos de assimilação e acomodação. Esse incômodo é tal que apenas hoje (quase duas semanas depois da aula que discutimos o tema) é que consigo "organizar" as idéias em forma de texto.

Fazer a "escolha da escolha" é, para mim, uma atitude que demanda a todo tempo uma reavaliação por parte da pessoa que a fez. Sei que em aula colocamos que fazer a escolha da escolha pode ser, até mesmo, escolher ser "igual a todo mundo", "entrar no padrão". Até aí, tudo bem(?). O grande problema é quando a escolha se dá no fluxo contrário.

Eu acredito que seja muito mais difícil porque é mais complicado fugir da norma e manter-se fora dela por muito tempo. Isso porque a rapidez que domina nossa sociedade, cria e recria a todo momento novos rótulos, novas maneiras de ser.Como na letra dos Titãs, qualquer banda pode se tornar "a melhor banda de todos os tempos da última semana", qualquer livro, o melhor e qualquer artista, um ícone a ser seguido. E se, uma dessas pessoas passa a se vestir/ comportar ou falar sobre coisas que você já fazia há muito tempo, isso rapidamente vira uma moda, e você que era o "estranho", o desviante, passa a ser o normal.

Em aula, entramos num "acordo" de que a "escolha da escolha" se caracteriza pelo reconhecimento de critérios. Mas quando essa situação acima acontece, o que fazer? Os nossos critérios estabelecidos apenas para nós mesmos continuam valendo? Sei que posso estar dando valor demais ao que os outros pensam, mas ser uma hippie por opção, porque desfruta dos valores preconizados pelo movimento continua sendo igual quando a nova moda é se vestir desse jeito? A opção de ir contra o sistema continua intacta ou o fato de milhares de outras pessoas estarem iguais a você sem pensar na filosofia que o levou a decidir isso altera alguma coisa?

Em alguns momentos, já passei por essas situações. Não vestia rosa nem saia porque acreditava que assim mostraria que menina não precisa usar essas coisas. Vestia preto e aí, todo mundo passou a vestir. Passei a usar roupas hippies e não gostar de nada que viesse dos EUA. Era assim que eu mostrava como pensava sem nem precisar abrir a boca. E aí, os saiões viraram hit devido a uma novela. Adorava usar all-star e me negava a usar qualquer tipo de melissa. E ai, a Nike comprou o All-Star e ele agora tem salto... O que fazer? Continuar seguindo?

Em alguns momentos, parei de fazer. Não queria estar na moda, não queria compartilhar a maneira de me vestir, se minha maneira de pensar era diferente. Teria sido essa a melhor escolha?

Agora, estabeleci que meus critérios devem ser outros. E muitos. Mas nunca tenho certeza se são os apropriados. Não tenho certeza se o que eu fazia antes (embora ainda presente de certa forma nos critérios de hoje)era mais apropriado. E aí os questionamentos sobre a necessidade de certeza, de existência de caminho certo a seguir, e de outras dúvidas mais sobre o que/como escolher me atravessam e me incomodam e constituem assim as minhas atitudes/pensamentos/comportamentos/escolhas angustiante e incessantemente...

Imira Fonseca

4 comentários:

  1. Me identifico bastante com essa angústia. Parece que toda tentativa de escape, toda manifestação de fuga do "mainstream" é imediatamente reabsorvida, sendo transformada em uma espécie de pseudo-marginalidade, um mero produto como qualquer outro que proporciona às pessoas uma satisfação da necessidade de se diferenciar enquanto elas escolhem, dentre as opções disponíveis no mercado, a diferença pré-fabricada que melhor lhes convém...

    (Laura Bloch)

    ResponderExcluir
  2. Também faço essa busca pelo diferente, de alguma forma, mas questiono muito isso. Tenho vergonha de ser igual. Tem coisas na moda que acho bonito, mas perde a graça se todo mundo estiver usando. Me parece que os que seguem e os que resistem à cultura de massa se importam com os outros da mesma forma. E, para mim, isso não pode ser diferente, já que não quero negar que pessoas são essenciais na minha vida. Talvez não precisássemos nos preocupar tanto em mostrar estar seguindo ou rompendo, se nos permitirmos escolher entre essas duas atitudes a cada vez. Nossas escolhas dizem muito de nós, mas umas mais que as outras, tipo: ser amigo, educado, gentil, saber ouvir, fazer carinho, ou seja lá quais forem nossas valores realmente importantes. Esses sim não podemos abrir mão, mesmo que eles também possam e devam ser questionados, a cada vez.
    Carla Pessanha

    ResponderExcluir
  3. Acho que um "problema", ou melhor, um impasse que nos leva (todos) a esse mesmo tipo de angústia de não traçar uma marca "puramente" sua, é que é justamente essa a exigência de todas as propagandas. Incita-se cada sujeito a se afirmar como único, com um estilo só seu... usando tal marca. A questão das escolhas formarem "quem somos" se dá a partir de uma configuração liberal do sujeito autônomo, que vai se preocupar com a gestão de si, ajustando o seu estilo, sua personalidade como ele gostaria. De certa forma, o indivíduo é incitado a expressar sua autonomia de formas já instituídas (os mesmos cenários com enfeites diferentes). É a partir daí que entra a Escolha da Escolha, e a trabalhosa tarefa de estranhar os outros e a nós mesmos deixando fluir o máximo possível as respostas loucas para as perguntas que sugerem categorias prontas para que as responda...
    (continua - Debora Navarro)

    ResponderExcluir
  4. ...Conheci um garoto esses dias que, se deparando com a pergunta "De onde você vem?", deu uma risada e falou: "essa é uma pergunta com muitas respostas, qual você quer? Laranjeiras, o Cosmos...". Eu falei então: "quais você pode dar?" e ele respondeu: "Eu vim de um planeta azul." Eu indaguei: "e como é esse planeta?" e ele: "ele é pura água. Acontece que o lugar que eu mais me sinto em casa é na água do mar."
    Meus olhos brilharam e disse, empolgada: "eu te entendo completamente, me sinto em casa na água doce!!!"

    ...e nisso, conheci muito mais dessa pessoa do que se ele tivesse me dito simplesmente "Laranjeiras".

    (Debora Navarro)

    ResponderExcluir