segunda-feira, 11 de abril de 2011

Pensando um pouco sobre arte.

As palavras a seguir têm a intenção de dialogar com o texto do Bruno, “Não há experiência livre e selvagem”. Era um comentário que tomou forma de “post”:

José Eduardo Belmonte (cineasta brasileiro), em entrevista ao Segundo Caderno do jornal “O Globo” sobre seu novo longa metragem, “Billi Pig”, 11/04/2011: “Gosto do nonsense. Daí o porco de borracha que fala. Comédia é bom para anarquizar. Mas eu não sei se anarquizar é a palavra para o que busco nos meus filmes. Prefiro falar em liberdade. Tento manter um espaço de liberdade, de invenção, (...). Um filme tem que ser bom também no processo.”

Ingenuamente posso me inclinar a crer que o processo criativo exprime a mais límpida liberdade do ser (criação=libertação). Como se a criação fosse um objeto em si, impermeabilizado e hermeticamente cerrado em relação aos devires da história – “posso fazer sempre o que eu quiser!” – Neste sentido, o mesmo valeria para a liberdade. Porém, ao tentar digerir esta primeira idéia fico logo engasgado: a criação é a criação do que? A partir e diferente do que? É criação por quê? Etc.

Criação me remete à singularidade e diferença.

A noção de liberdade que gostaria de compartilhar com vocês é a seguinte: liberdade é a sensação de uma possível transformação do dado. Liberdade, por exemplo, é o que o poeta Manoel de Barros exerce em relação à gramática: ele parte dum apriori (a língua portuguesa), mas cria uma singular form’outra de se expressar. Ao exercer esta “liberdade” ele inventa outros possíveis, sugere diferentes caminhos-sujeitos. Mas será que há uma escolha nisso?

Não sei se posso chamar de escolha, mas existe sim, em sua obra, uma postura ativa em relação ao que se apresenta como feito, já produzido. Felizmente, ou infelizmente, a nossa existência se da no âmbito do entre: entre o que está e o que pode vir a ser. Não é só do instituído que me constituo. Existe algo que me sobra e que ao mesmo tempo me falta, um espaço para a criação. Não me refiro a criação do NOVO, afinal, o que é o novo?

A partir de agora gostaria de poder criar: quero chamar esta mínima sensação de potência de escolha. Poder nomear esta ínfima possibilidade de ação do sujeito por liberdade. Quero crer que Manoel escolhe suas palavras-formas e assim se liberta.

Somos produzidos enquanto desejos, mas também produzimos, e não só reproduzimos, quando desejamos. Será que esta recíproca é verdadeira?

Para iluminar, um pouco da arte manoelesca através de fragmentos do “Livro sobre nada” (1996): “(...) Arte não tem pensa:/ O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê./ É preciso transver o mundo./ Isto seja:/ Deus deu a forma. Os artistas desformam./ É preciso desformar o mundo:/ Tirar da natureza as naturalidades./ Fazer cavalo verde, por exemplo. (...)”. Na primeira parte deste mesmo livro, nos deparamos com o seguinte excerto: “A voz de meu avô arfa. Estava com um livro debaixo dos olhos. Vô! o livro está de cabeça para baixo. Estou deslendo.”
(João Pedro)

2 comentários:

  1. Depois de ler o que você escreveu, não resiti, e resolvi trazer o poema que mais gosto do Manoel de Barros em Retrato do Artista enquanto Coisa:

    A menina apareceu grávida de um gavião.
    Veio falou para a mãe: O gavião me desmoçou.
    A mãe disse: Você vai parir uma árvore para
    a gente comer goiaba nela.
    E comeram goiaba.
    Naquele tempo de dantes não havia limites
    para ser.
    Se a gente encostava em ser ave ganhava o
    poder de alçar.
    Se a gente falasse a partir de um córrego
    a gente pegava murmúrios.
    Não havia comportamento de estar.
    Urubus conversavam auroras.
    Pessoas viravam árvore.
    Pedras viravam rouxinóis.
    Depois veio a ordem das coisas e as pedras
    têm que rolar seu destino de pedra para o resto
    dos tempos.
    Só as palavras não foram castigadas com
    a ordem natural das coisas.
    As palavras continuam com seus deslimites.

    Acho interessante pensar no tempo de antes quando não havia limites para ser ou na ordem natural das coisas. Realmente, nós diferentes das palavras, temos que rolar nosso destino para o resto dos tempos! Sim, temos limites, mas podem ser maiores do que temos coragem de testar, ou menores, ou diferentes daquele que tinhámos como certo. Talvez um forma de pensar, ainda assim a liberdade, seja ir lá conferir esse limite. Dentro do que é possivel (o que é possivel?) o que eu vou fazer? Pode não ser tão triste que existam os impossíveis, se nos ocuparmos de viver os tantos possíveis!
    Carla Pessanha

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  2. Adorei essa que você citou, Carla, não conhecia.
    Salve, salve, Manoel!

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