terça-feira, 22 de junho de 2010

Vestibular

Ferreira Gullar

Paulo Roberto Parreiras
desapareceu de casa
trajava calças cinza e camisa branca
e tinha dezesseis anos.
Parecia com teu filho, teu irmão,
teu sobrinho, parecia
com o filho do vizinho
mas não era. Era Paulo
Roberto Parreiras
que não passou no vestibular

Recebeu a notícia quinta-feira à tarde,
ficou triste
e sumiu.
De vergonha? De raiva?
Paulo Roberto estudou
dura duramente
durante os últimos meses.
Deixou de lado os discos,
o cinema,
até a namoradinha ficou sem vê-lo.
Nem soube do carnaval.
Se ele fez bem ou mal
não sei: queria
passar no vestibular.
Não passou. Não basta
estudar?

Paulo Roberto Parreira
a quem nunca vi mais gordo,
onde quer que você esteja
fique certo
de que estamos do seu lado.
Sei que isso é muito pouco
para quem estudou tanto
e não foi classificado (pois não há mais
excedentes), mas
é o que lhe posso oferecer: minha palavra
de amigo
desconhecido.
Nessa mesma quinta-feira
em Nova York morreu
um menino de treze anos que tomava entorpecentes.
em S.Paulo, outro garoto
foi preso roubando carros.
E há muitos que somem
ou surgem como cometas ardendo em sangue, nestas noites,
nestas tardes,
nesses dias amargos.

Não sei pra onde você foi
nem o que pretende fazer
nem posso dizer que volte
para casa,
estude (mais?) e tente outra vez.
Não tenho nenhum poder,
nada posso assegurar.
Tudo que posso dizer-lhe
é que a gente não foge
da vida,
é que não adianta fugir.
Nem adianta endoidar.
Tudo o que posso dizer-lhe
é que você tem o direito de estudar.
É justa sua revolta:
seu outro vestibular.


Isabella

10 comentários:

  1. Ana Carolina Gomes Perez22 de junho de 2010 às 16:29

    Muito bom o poema. :)
    Não adianta fugir nem adianta endoidar...
    Certos direitos nos capturam com potência de deveres, dentro da louca lógica que rege o acelerado e demandante ritmo da vida contemporânea...

    ResponderExcluir
  2. Sobre passar no vestibular:

    Precisamos esquentar o debate sobre cotas na UFRJ. Parece que, para o vestibular desse ano, teremos um novo sistema para a entrada na univesidade.

    - Tão urgente quanto a democratização do ensino superior, é a melhoria da qualidade mesmo. Me refiro à bibliotecas melhores, revisão curricular, bandejão, instalações adequadas ao estudo etc.

    Vamos discutir!

    ResponderExcluir
  3. Muito bom o poema. Traduz muito bem a ansiedade, a revolta e a decepção de um jovem que não passa no vestibular (e eu sei muito bem o que é isso). As coisas como estão dadas fazem parecer que é natural essa competição acirrada para entrar na universidade, quando na verdade esconde todo um sistema muito injusto. O jovem se sente pressionado, coagido mesmo, para entrar na universidade, muitos vêem essa possibilidade como a única porta de entrada para o mercado de trabalho. Como se já não fosse difícil optar por um curso superior, ainda tem que passar por um funil para chegar até ele.

    Gisele de Oliveira e Souza

    ResponderExcluir
  4. Gostei muito do poema! fiquei pensando como muitas vezes passar ou não no vestibular é visto como uma questão de mérito pessoal...O que me lembra o texto de Maria Helena Souza Patto que diz , pelo que me lembro, que por volta dos anos 30 quando a demanda social por escolas aumenta nos países industrializados se torna tarefa das (recém nascidas) ciências humanas(principalmente psicologia e pedagogia) justificar o acesso desigual aos graus escolares mais adiantados, usando para tal justamente a idéia do mérito pessoal, temos aí os testes de inteligência e tal. É...muitos ainda pensam conforme essa lógica e não questionam os atravessamentos q nos constituem enquanto psicólogos...

    Nathalia L.Silveira

    ResponderExcluir
  5. Gostei muito do poema, ele te envolve e te coloca para pensar sobre um assunto que perpassa todos nós, e que muitas vezes não paramos para pensar o nível de pressão exercido sobre os vestibulandos e caímos na lógica totalmente cristalizada de que passar é uma simples questão de desejo individual, a tal lógica individualizante que impera em nossa sociedade! Ah se fosse assim...

    ResponderExcluir
  6. " os exames de vestibular são uma das maiores, possivelmente a maior praga que infesta a educação brasileira. O seu nome, derivado de "vestíbulo", que quer dizer "átrio, entrada de um edifício", sugere que eles são apenas uma inocente e estreita porta de entrada para as universidades. De fato, para isso forma criados. Mas frequentemente acontece com as instituições sociais o mesmo que ocorre com os medicamentos: os efeitos colaterais n˜åo-previstos são mais importantes que os efeitos desejados. Pode ser que a cura seja pior que a doença." (ALVES, Rubem)

    ResponderExcluir
  7. Muito bom o poema.
    Nada melhor do que justificar a ineficiência do Estado no que concerne ao englobamento de todos os candidatos a educação de nível superior, através da atribuição de responsabilidade ao sujeito. Dessa forma o Estado se exime do seu dever de garantir a educação, atribuindo ao sujeito o papel de responsabilidade por essa conquista (mérito pessoal). Esse direito passa a ser interpretado como um dever.

    ResponderExcluir
  8. Ana Carolina Touceira Gomes3 de julho de 2010 às 20:12

    Me entristeço por Paulo Roberto Parreira e tantos outros que são tidos como incompetentes por culpa de uma prova que não mede a verdadeira potencialidade da pessoa. O modo como Paulo lidou com o fato de não ter passado no vestibular me lembrou de uma reportagem que li a muito tempo sobre o número de estudantes que cometem suicídio no Japão por baixo rendimento escolar em uma cultura que chega a ser pior que a nossa quanto a individualidade, onde você é o único responsável por seu destino e se falhar, só você poderá ser culpado. Não encontrei a reportagem que li, mas encontrei uma que retrata o mesmo e, apesar de ser um pouco antiga, vou deixá-la aqui para quem se interessar. http://search.japantimes.co.jp/cgi-bin/ed20070615a2.html (versão original)
    http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&langpair=en%7Cpt&u=http://search.japantimes.co.jp/cgi-bin/ed20070615a2.html (versão traduzida)

    ResponderExcluir
  9. Somos nós que fazemos nosso caminho?
    Decerto que passar ou não no vestibular depende de certo investimento nos estudos, dedicação, acesso a uma educação básica de qualidade... opa, educação básica de qualidade?! Pois então já saímos em pé de desigualdade nesta disputa que é o vestibular.
    Para início de conversa, nosso problema é fundamentalmente de uma educação pública falha, que não oferece oportunidade de estudo para todos. Seriam as cotas uma solução para este problema?
    Lembro da primeira vez que me deparei com a questão, aos 16 anos. Minha primeira postura foi de esbravejar aos quatro cantos que esta era uma atitude anticonstitucional, que negava o princípio de igualdade entre as pessoas. Hoje acho que esta é uma visão elitista, ignorante das problemáticas sociais e do papel da Universidade pública.
    É claro que facilitar o acesso à graduação não resolve a questão do racismo ou da má qualidade da educação básica no Brasil. Até porque convivência não significa tolerância (e alguns afirma que tal atitude geraria até um preconceito inverso ao destacar uma diferença que no Brasil não era elemento de identidade tão forte como em países como os Estados Unidos). E nem acesso significa permanência (todos sabemos o quanto custa cursar uma Universidade, ainda que pública).
    Mas se cria a crise. Estamos hoje debatendo muito mais estas questões, e outras, que se referem a papéis da sociedade e dos cidadãos, direitos e deveres, etc. Porque tais ações mexem com aquilo que já estava naturalizado: o processo seletivo para acesso a cursos de graduação públicos. Como se fosse óbvio que alguns saem vitoriosos e outros não, porque “a vida é assim”. É assim, no acesso às universidades, é assim no acesso ao mercado de trabalho. Bem sabemos que hoje ter um diploma já não garante empregabilidade. Isto poderia ser argumento para uma interpretação individualista, onde “o mercado está acirrado mesmo” e “vence o melhor”. Mas com um pouco mais de crítica a essa realidade, e um pouquinho de visão histórica acerca do desenvolvimento do mundo do trabalho, podemos ter um interpretação mais integradora. Pois falar que o mercado está assim ou assado é esquecer que quem faz esse mercado são pessoas como nós. Que a desvalorização de tais profissões e alta de outras é fruto de uma teia de ações humanas. É esquecer que a redução de vagas de trabalho e da estabilidade do emprego tem a ver com a lógica da política neoliberal e globalizante.
    É como se a lógica da competitividade estivesse tão entranhada em nós, que mal conseguíssemos conceber um modo de relação cooperativo, onde as diferenças não fossem negadas e se prezasse pelo diálogo.
    Acho que temos tido uma formação pouco politizada desde as bases, o que seria o ideal para entendermos a lógica desse mundo em que nos inserimos e não ficarmos prostrados reclamando que “político é tudo ladrão” e que “política não leva a nada”, achando que o melhor mesmo é garantir nosso ganha-pão antes que alguém tome nosso lugar no concorrido mercado de trabalho. Loucamente corremos atrás de especializações, mestrados, doutorados, experiências profissionais... às vezes sem parar para pensar que estamos sustentando uma forma de existência no mundo, e não tentando mudar o fundamento disso que tanto criticamos.

    ResponderExcluir
  10. Os jovens parecem cada vez mais preocupados com a aprovação no vestibular. Ser aprovado é tarefa de cada um em particular, e para aqueles não aprovados resta apenas o sentimento de culpa e fracasso.
    "Todos"? Como assim? De que "todos" estaríamos falando quando VESTIBULAR é palavra desconhecida para tantos jovens?
    Quando questionamos o vestibular, o questionamos por que ele é um pesar, sentido de forma individual por aqueles poucos jovens que se arriscam ao realizá-lo, ou por que ele não é algo acessível para todos os jovens? É claro que as duas coisas estão envolvidas, mas é bom lembrar sempre das duas...

    Camila Machado

    ResponderExcluir