domingo, 30 de maio de 2010

Crise e conexões inesperadas

No texto “Pequeno Manual de Análise Institucional” Lorau fala da importância da crise para a análise institucional. Acho que isso ficou bem exemplificado na dinâmica que fizemos na aula do dia 25/05, diversas discussões começaram a brotar a partir do tema da escolha das disciplinas no instituto de psicologia. Um processo em particular me chamou a atenção: algumas colocações que pareciam conversas paralelas ao tema principal podiam ser usadas para desencadear novos caminhos para abordar a questão das escolhas das disciplinas.
Durante o encontro que fizemos lembro-me que uma das principais queixas era em relação aos horários das disciplinas apresentados pela direção do instituo de psicologia. No início a questão girou por um tempo nesta discussão, mas, em determinado momento, não me lembro por que caminhos, uma questão paralela surgiu: a impossibilidade de se escolher em determinados contextos. Felipe colocou então, como exemplo, para a dificuldade em pensar em escolhas, a situação de um indivíduo que, para sustentar a família, tenha que trabalhar doze horas por dia por um salário que pagaria apenas o mínimo para a sobrevivência, o que não o deixaria com tempo para mais nada, inclusive para a possibilidade de fazer escolhas. Muita água rolou por conta desta colocação.
Nesta situação, primeiro veio à minha mente que o exemplo parecia com o gato na caixa do Thorndike ou com um dos ratos do Skinner, que estavam ali para provar uma teoria. Depois comecei a pensar que talvez ele quisesse falar de alguma forma sobre uma impossibilidade de fazer escolhas que possam influir de modo mais efetivo na sua própria condição em determinados contextos; daí veio o seguinte: será que alguém aqui trabalha mais de doze horas por dia? Fiz a pergunta para o grupo e para mim mesmo. Resposta: Não. Pergunto então para o grupo e para mim mesmo: Alguém aqui dedica uma parte do seu tempo na participação em entidades de representação estudantil? Resposta: Não (Parece que o Salsa seria o único a dizer sim e estava fora da sala nesta hora). O que ficou para mim então é: Será que existe alguma conexão na não participação nossa como alunos em espaços que poderiam servir para discutir e potencializar as reivindicações abrindo canais de diálogo com a direção da faculdade e a dificuldade na escolha dos horários das disciplinas?
Não sei se o desenrolar desta linha que comecei a tecer para por aí, nem que esteja aí uma verdade, o que importa para mim, é perceber aqui, como algo que surgiu numa discussão que parecia ser paralela ao tema do encontro, gerou reflexões que possibilitaram a retomada da questão da escolha das disciplinas sob outro prisma. Ou seja, uma vez instalada a crise o quanto a discussão em grupo potencializou o desenrolar de linhas que puderam ser costuradas com outras linhas produzindo conexões até então inexistentes e inesperadas.

Willy H. Rulff

6 comentários:

  1. Pegando o exemplo do trabalhador, concordo que a impressão que fica é de não haver opção na vida dele, mas concordo também com o que foi dito por uma das monitoras: seria preciso ser um desses trabalhadores para poder afirmar isso ou não.

    Acho que a proposta é justamente não olhar a situação como encerrada, a fim de liberar as escolhas. Claro, é um risco. Talvez as escolhas não resultem numa mudança drástica, talvez até piorem as coisas, mas não devem ser desconsideradas.

    Penso que boa parte da turma conseguiu enxergar essa proposta, só não quis aceitá-la. Talvez o pessoal tenha se colocado numa postura defensiva demais.

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  2. Olá! Então gente para mim é muito complicado comentar aqui porque não gosto muito de discussões em blog... espero não escrever de maneira muito confusa.

    Primeiro queria esclarecer que cheguei atrasada e não peguei o início do debate na semana passada. Eu fui uma das pessoas a criticar o comentário do Felipe sobre o trabalhador de 12 horas, porém meu comentário estava mais direcionado a forma como ele se expressou do que ao conteúdo propriamente dito(que para mim pareceu um pouco determinista, embora depois eu tenha percebido que essa não era intenção dele, mas como os ânimos estavam a flor da pele acho que as pessoas acabaram usando a fala dele de forma equivocada.

    Comecei a pensar e acho que não demos a atenção necessária ao comentário dele. É realmente muito complicado pensar esses processos de escolha num cenário onde o sujeito parece estar "condicionado" a uma série de cirscunstâncias bem delicadas. Devido a essa complexidade acho válido discutirmos sim a questão, ainda que ninguém, ou pelo menos é isso que achamos, tenha passado por ela, lembrando sempre que cada caso é um caso. Mas falar dos constrangimentos que se impõe ao sujeito e de como nesses casos são articulados os processos de escolha parece para mim, agora, primordial.

    Uma outra coisa, acho muito prematuro dizer que o pessoal assumiu uma postura defensiva.Acho que não falo por todos, mas eu percebi nessa discussão que muitos dos conceitos teóricos empregados no debate não estavam claros. Nem para o lado que defendia, nem para o lado que criticava, o que foi outra coisa muito interessante, havia uma divisão da turma muito nítida e no fim das contas eu não pude entender nem o que estava sendo trabalhado.
    Na minha percepção ficou com um tom de culpabilização, embora eu entenda que ninguém tenha tido a intenção de culpabilizar.

    Eu gostaria muito que fosse organizado um novo debate, principalmente para falar da teoria de base, antes de pensar em casos. A última aula produziu muita inquietação e acho esse movimento muito rico para que ele não seja retomado numa nova roda de discussão, mas agora com um foco em esclarecimentos.

    Espero ter sido compreendida =)

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  3. Bem gente, realmente esta aula foi um pouco complicada, no sentido de que as discussões não foram todas centradas na roda, muitas opiniões foram postas paralelamente. Mas o que achei mais interessante é que nós conseguimos demonstrar na prática o que se queria evidenciar do texto em questão: a medida que houveram divergências e defesas sobre o assunto, foi gerada uma CRISE entre o grupo. Pena que muitos se concentraram de tal forma na discussão que não conseguiram perceber o que de bom ela trazia.
    Quando tivemos o exemplo do trabalhador, concordamos e discordamos sobre as opções deste para uma melhora de vida, e sobre tudo à respeito da possibilidade, ou não dele de arriscar, tendo visto que ele precisava sustentar sua família. O que fizemos na verdade foi criar um personagem e instaurar nesse uma crise, assim como nos foi instaurada uma crise em relação as escolhas das disciplinas. Em ambos os casos, foram apresentadas alternativas inesperadas, e acredito que seja esse o ápice da discussão: o surgimento de novas possibilidades, novas alternativas, o alargamento,ou não, dos limites.
    O que se pretendeu trabalhar, a meu ver, foi que as crises são as principais responsáveis pelas novas mudanças, pela instiga de criação de novas possibilidades. O momento de questionamentos do tipo: " o que eu faço agora?" ou "o que será de mim?" , é o que induz uma melhor análise da situação em questão, e neste contexto é o que permite uma criação de novas possibilidades.

    Camila, quanto a questão da culpabilização, acredito que a idéia era de ver o sujeito como o responsável por sua escolha, mas sempre considerando que tal escolha foi resultante dos atravessamentos que compõem o indivíduo em questão.

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  4. Willy, não entendo muito bem o sentido de se falar, a partir da noção foucaultiana de micropolíticas, em "espaços que poderiam servir para discutir e potencializar as reivindicações", como se tais espaços fosse fixos e pré-determinados. Pois, até onde eu sei, para Foucault, trata-se justamente de recusar que existam espaços próprios ou privilegiados para o embate político. Trata-se não só de afirmar o caráter político de toda relação interpessoal, mas também de valorizar as pequenas invenções diárias que ocorrem para além e à revelia dos mecanismos já consolidados de reivindicação (o DCE, por exemplo). Além disso, acredito que, para Foucault, uma "entidade de representação estudantil" não fornece garantia nenhuma de um diálogo efetivo. Aliás, estamos cansados de saber que o que ocorre em certas organizações estudantis é, muitas vezes, justamente o contrário: várias vozes consonantes e um grande monólogo, de onde o pensamento já se retirou.
    Veronica nos deu uma demonstração em aula das inúmeras dificuldades que ela enfrentou ao tentar reunir a turma de TEP II e exigir da coordenação um novo professor. Diremos que a iniciativa dela não teve uma atuação política, se quisermos nos afiliar à reflexão foucaultiana? Creio que não. A iniciativa dela está situada sem dúvida no nível micro, pois não forçaria uma reforma imediata, nem uma mudança estrutural na instituição. Mas, se vitoriosa, certamente incentivaria os alunos a mudar - ora, vejam só - suas práticas cotidianas. Acontece que, por essa via, precisaríamos negar críticas fáceis e generalizantes ao conjunto de alunos do IP, que condenam de forma geral sua falta de engajamento, supondo-se essas mesmas críticas já instaladas no "político". Essa é, de fato, uma crítica cômoda, pois dá o veredito antes mesmo de uma análise cuidadosa do campo; ou seja, sobredetermina o campo por uma reflexão a priori.
    Por isso, quando é dito em sala de aula que os alunos não se engajam junto ao movimento estudantil para reivindicar melhores condições para o curso, e por essa razão são despolitizados, vejo aí uma posição válida, mas que não me parece coerente com o pensamento foucaultiano, se é essa a intenção. O recurso, nesse caso, deveria ser buscado em outros teóricos, a meu ver.
    Um esclarecimento que eu gostaria de prestar aqui e, se convir, na própria aula, é que meu cenário de forma nenhuma pretendia sugerir um determinismo, apenas mostrar que a noção de virtualidade, de criação de novos campos de possibilidade, do modo como tem sido colocada, é delicada e também esbarra em certos impasses. Por isso, não vejo como meu exemplo tenha tido a ver com um raciocínio ao modo skinneriano. Aliás, é preciso que nós tenhamos muito cautela nessa discussão para não polarizá-la, como se Foucault (ou, antes, a apropriação que se faz de Foucault) fosse a única solução possível para o determinismo e não houvesse outras alternativas fora do determinismo. E é preciso cautela ainda maior para não virar o determinismo ao avesso e restaurar, sem se dar conta, todo um discurso liberal dominante.
    De fato, nenhum dos alunos trabalha 12 horas por dia, mas felizmente todos os alunos são seres pensantes e conseguem, portanto, se imaginar minimamente no lugar de uma pessoa em tais condições. Todos os alunos podem imaginar, por uma empatia espontânea, quão esmagadoramente árdua deve ser a vida de um sujeito assim, que, mesmo vislumbrando possibilidades distantes no horizonte, tem nas costas o peso da tremenda responsabilidade que é manter a família com o pouco que recebe. Entendo, assim, que a idéia de criar novos campos de possibilidade não pode ser aplicada da mesma maneira a um caso desses como a qualquer outro.
    De resto, concordo com a Camilla que os conceitos utilizados na matéria ainda não estão bem assentados para a turma, e que seria muito interessante uma nova roda de debates, a fim de esclarecermos as idéias defendidas.

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  5. Felipe, não sei se você reparou, mas o trecho que você destacou do que eu escrevi faz parte de uma frase que começa com a palavra "Será..." e termina com um ponto de interrogação. Já no parágrafo seguinte eu questiono se esta reflexão deve parar por aí e se nela existe alguma verdade. De qualquer forma, a discussão iniciada em aula só estava ali como exemplo para falar de outra coisa, esta sim acho importante: de que modo uma crise, uma vez instaurada, parece funcionar entre outras coisas como disparador de conexões que até então não eram possíveis de serem feitas. O que você escreveu pode ser tomado como mais um exemplo disto - mais um elo em uma cadeia que começou em uma discussão paralela ao tema inicial do encontro.

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  6. Gisele de Oliveira e Souza28 de junho de 2010 às 21:47

    Concordo um pouco com o que a Camilla disse, percebi as discussões com se existissem um certo e um errado, como se um tentasse convencer o outro de que a "verdade" estava do seu lado. Acredito que não será pela via do convencimento que as pessoas entenderão a teoria e a prática propostas pela disciplina, e neste dia em especial, me pareceu que se tratava de convencer as pessoas de que um determinado ponto de vista estava correto. Não sei se fiquei com esta impressão porque não sou resistente a teoria como me parecem algumas pessoas, sou muito aberta. Penso que o conhecimento não tem limites e por isso não preciso defender a teoria que me utilizo para pensar a minha prática. Ela existe assim como muitas outras. No entanto,também penso que por um outro lado as discussões também foram válidas, pois como disse Willy uma crise foi instaurada e disso não há como não concordar. A partir desta dinâmica, as pessoas conseguiram se colocar mais, expor mais suas limitações em relação ao entendimento desta teoria que parece tão complexa, e isto pode ter gerado novas possibilidades de entendimento e novas dúvidas que fazem instigar, que incomodam e fazem falar. Desta forma, acredito que esta crise possibilitou novas formas de ver e pensar esta disciplina e a prática da análise vocacional.

    Gisele de Oliveira e Souza

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