O blog foi perfeito, uma vez que serviu como exemplo claro daquilo que estivemos falando durante toda a matéria! Embora boa parte da turma não tenha aprovado a idéia, ela não deixa de ter pontos positivos, e negativos também, claro, assim como teria uma prova convencional. Realmente, é uma ferramenta inovadora, e por isso causa incômodo, já que nos obriga a deixar a zona de conforto, pois não estamos acostumados a ela. Esse incômodo é, em parte, semelhante ao que sente o aluno que, indo contra aquilo que lhe é imposto, quer tentar medicina, principalmente do ponto de vista do professor, que decidiu pela ferramenta. É o incômodo da tentativa de singularizar! Nós, alunos, no caso do blog, atuamos mais ou menos como atua a sociedade no caso do aluno pobre, estranhando.
É interessante notar também que, diferente da prova (originalmente seria prova + blog pra avaliação na matéria), que não foi questionada em nenhum momento, o blog foi bombardeado de críticas, e pouco foi visto do lado positivo dele. Não quero ofender ninguém, mas acho até que determinados argumentos não cabiam. Lembrei do caso dos sem-teto indo ao RioSul, quando uma vendedora argumentou que eles não comprariam nada, logo não deveriam estar ali, sendo que essa nunca foi uma questão quanto aos outros clientes. Acho que esse acaba sendo um movimento comum quando uma força instituinte (criativa, inovadora - o blog por exemplo) é lançada: logo surgem as forças instituídas (reprodutoras, conservadoras) para fazer oposição. É essa idéia que a sociedade carrega que as coisas têm uma forma natural de ser - professor aplica prova, sem-teto não vai ao RioSul e pobre não tenta medicina.
No fim das contas, o professor cedeu à pressão, vencido pelas forças instituídas, aderindo ao modelo que diz que professor deve dar prova ou trabalho. Nisso, acredito que ele próprio tenha esquecido dos pontos positivos da proposta singular. No entanto, uma pergunta não foi respondida na última aula, quando uma aluna colocou que o blog, desde o início, não tinha dado certo: "O que é dar certo?" Eu tenho um blog, por exemplo, que nunca teve tantos posts e nunca recebeu tantos comentários quanto esse (e talvez nunca receba)! Fora isso, agora que a matéria está chegando ao fim, muita gente está entrando, postando e comentando. Também tem que, naquela aula onde houve uma grande discussão de grupo, muito foi esclarecido por meio dessa ferramenta. Mesmo assim, muita gente ainda vai preferir a prova porque está "mais acostumada". E assim segue a nossa rotina.
Para ilustrar, uma historinha:
Numa realidade paralela à nossa, no planeta Água (curiosamente com mais terra que água), onde todas as avaliações eram feitas por meio de blogs, o professor Paulo Pedro tenta lançar um novo método de avaliação: a prova.
- Alunos, nosso método de avaliação será por meio de uma prova.
Os alunos são tomados de um incômodo geral por nunca terem feito dessa forma. Uma aluna pergunta:
- Mas como funciona essa tal de prova, professor? É que nem o blog?
- Não! É diferente. Nela haverá uma pergunta e você deverá responder.
Outro aluno questiona:
- Ué, professor? E se eu quiser falar sobre algo que não está na pergunta?
- Você deve ater-se somente à pergunta! Se falar sobre algo além, eu posso descontar uns pontos seus por fugir ao que está sendo pedido. Além disso, vocês não podem usar gírias nem abreviações, devem escrever de forma totalmente formal, ok?
Alguns alunos coxixam, comentando o estranhamento. Uma outra coloca:
- E como comentamos sobre algo que um colega escreve?
- Vocês não fazem! Se olharem a prova um do outro, eu darei nota zero!
- Que absurdo, professor! Quer dizer que não podemos desenvolver as idéias em conjunto?
- Não! De maneira nenhuma!
A turma começa um falatório geral, discordando da proposta. Um aluno próximo à porta, pensando na questão de aprender em conjunto, questiona:
- Mas, professor, quer dizer que pra saber o que meus colegas escreveram eu vou ter que esperar que o senhor entregue as provas e perguntar um a um o que disseram? No blog a gente não precisa desse trabalho todo!
- Bom, se vocês quiserem, eu posso pendurar as provas de vocês no mural, assim todos poderão conferir.
A turma gosta da idéia do mural, mas ainda não se conforma com o método. O professor completa:
- Ah, esqueci de dizer. Vocês não poderão consultar a bibliografia.
Nisso, a turma explode de protestos. Enfurecida, uma aluna coloca:
- Professor, isso não faz nenhum sentido! Na nossa prática como profissionais, sempre poderemos ter acesso à bibliografia! Por que isso???
- Assim eu poderei avaliar se vocês realmente sabem a matéria.
- Mas isso é muito relativo! E se a pergunta for sobre algo que eu não saiba tanto?
- Estude tudo e decore muito pra não ocorrer isso, ora!
Após muitos protestos, inclusive com argumentos sobre a caligrafia dos alunos, que alguns não se sentiam à vontade por mostrar aos outros, o professor dá fim à discussão:
- Não quero mais saber de reclamações! Eu decidi e está decidido! (esse professor era rígido, diferente do nosso equivalente aqui)
Ao final do debate, uma menina do fundo coloca:
- Gente, queria só colocar que sou a favor da prova ao invés do blog, pelos seguintes motivos...
E tal como no nosso equivalente aqui, a menina colocou argumentos interessantes, deixando o professor satisfeito porque alguém havia aderido à idéia e fazendo com que os alunos contra pensassem nos pontos positivos por um momento, embora não tenha alterado a opinião deles. Entretanto, o autor deste post (eu, Flavio) não foi criativo o suficiente para pensar quais os pontos positivos sobre a prova que essa menina teria dito à turma e ao professor.
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Flavio Rangel