terça-feira, 20 de julho de 2010

Histórias únicas

A importância de não ser ter um único olhar...

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O que permeia a escolha?

Esta é a pergunta fundamental para nosso curso, e, no entanto, não é simples de ser respondida. Dedico este texto a responder a mesma de acordo com diversas perspectivas teóricas, que, independente de terem sido abordadas em sala de aula ou não, são interessantes para o estudo. Para tanto foram utilizados o existencialismo, a psicanálise, a psicologia evolucionista, e, por fim, uma das aulas de Deleuze onde ele se dedica a falar de Spinoza, um neerlandês que influenciou Schopenhauer, Nietzsche e Bérgson, dentre outros, e que, direta ou indiretamente, esteve muito presente em nossas aulas.

Para a psicologia evolucionista, todas as escolhas são guiadas a partir de uma “memória ancestral”. Isso significa que nossas escolhas são baseadas em escolhas que se mostraram eficientes para nossos antepassados. Em tempos antigos, fazer uma escolha ruim significaria prejuízo grave, e em muitas das vezes, morte. Então, só sobreviveram e passariam suas características os indivíduos que soubessem escolher bem, dessa forma passando sua programação adiante. Ou seja, a programação de fazer boas escolhas foi sendo passada até os dias de hoje. Assim sendo, existe um determinismo evolutivo que permeia as escolhas.
Para a perspectiva psicanalista, toda a escolha humana tem base inconsciente. Este inconsciente seria um determinante sobre o sujeito. Todas as ações, idéias, pensamentos e qualquer atividade humana seriam uma forma do inconsciente se expressar. Esta força determinante seria segundo Freud um “leão que não pode ser domado”, ou seja, ele sempre vai estar presente guiando as escolhas do sujeito sem que ele tenha ao menos a certeza de saber o que o “leão” deseja. Dessa forma, quando o sujeito acredita estar fazendo escolhas, ele estaria por completo imerso dentro do jogo do inconsciente, que manipularia tudo que permeia o ato de escolher sem deixar claro para a pessoa nenhum traço de sua presença ou influencia. Freud se dedica então a compreender o funcionamento do inconsciente.
Sartre por sua vez critica qualquer determinismo. Para ele, o ser humano é livre. Livre por não ter um objetivo essencial, sua existência não tem um sentido apriori. Sua essência é construída por ele mesmo, e mesmo se houvessem sinais no mundo de um objetivo maior, o homem decifraria estes sinais como lhe aprouver. Dessa forma, Sartre pensa portanto que o homem, sem qualquer espécie de apoio, está condenado a cada instante a inventar o homem. Portanto a angústia existencial compreende o compromisso diante de um mundo que eu não escolhi mas ao qual estou para sempre atrelado e todas as escolhas éticas que surgem desta relação.Assim sendo, todas as minhas escolhas definem quem eu sou, e estou condenado a fazê-las individualmente, tendo total responsabilidade sobre as mesmas.
Já para Spinoza, o que permeia as escolhas é o afeto. Para ele, toda escolha é motivada por paixão. Ele critica o racionalismo por acreditar que o homem, apesar de ter a razão que supostamente o diferencia dos outros animais, ainda é um mamífero, portanto, animal. Não é portanto, um ser de exclusiva razão mais um ser complexo, onde o afeto tem grande papel. Deleuze diz que para Spinoza:
“O afeto não se reduz a uma comparação intelectual das idéias, o afeto é constituído pela transição vivida ou pela passagem vivida de um grau de perfeição a outro, na medida em que essa passagem é determinada pelas idéias; porém em si mesmo ele não consiste em uma idéia, ele constitui o afeto.”
Para exemplificar o que está explicando, Deleuze utiliza um exemplo. Existem duas pessoas, Paulo e Pedro. De Paulo eu gosto, de Pedro não. Isso equivale a dizer que quando eu vejo Pedro, sou afetado de tristeza; quando eu vejo Paulo, sou afetado de alegria. Dessa forma, quando eu passo da idéia de Pedro à idéia de Paulo, a minha potencia de agir, ou seja, a minha motivação é aumentada; quando eu passo da idéia de Paulo à idéia de Pedro, minha potência de agir é diminuída. Sobre essa teoria de variação contínua constituída pelo afeto, Spinoza irá determinar dois pólos, alegria-tristeza, que serão para ele as paixões fundamentais: a tristeza será toda paixão, não importa qual, que envolva uma diminuição de minha potência de agir, e a alegria será toda paixão envolvendo um aumento de minha potência de agir.
Para Spinoza, inspirar paixões tristes é necessário ao exercício do poder. Nessa construção, a relação com nossa aula é clara. Quem tem mais poder inspira paixões tristes à quem tem menos poder. Ou seja, as escolhas difíceis, que necessitam de motivação, de potência de agir, deixam de ser vistas como escolhas difíceis e passam a ser entendidas como escolhas impossíveis, por culpa da paixão triste instaurada.
Para estas paixões instauradas Spinoza emprega o termo "automaton". Segundo ele, nós somos fabricados como autômatos espirituais, ou seja, é preferível dizer que são as idéias que se afirmam em nós do que dizer que somos nós que temos idéias. Então, enquanto autômatos espirituais há o tempo todo idéias que se sucedem em nós, e de acordo com essa sucessão de idéias, nossa potência de agir ou nossa força de existir é aumentada ou é diminuída de uma maneira contínua, sobre uma linha contínua, e é isso que nós chamamos afeto. Afeto portanto que vem a ser a variação contínua da força de existir de alguém, na medida em que essa variação é determinada pelas idéias que ele tem, influenciando assim em suas escolhas.

Quanto a assinatura, não entendo o porque de colocar nome, mas como parece ser a regra, o humilde texto acima foi escrito por Pedro Menezes Moraes. A bibliografia é quase tudo o que eu já li, me especial o link: http://www.webdeleuze.com/php/texte.php?cle=194&groupe=Spinoza&langue=5
Por sorte, minha internet não me traiu nesse último momento e vou conseguir postar. Gostei muito do que eu já li aqui, tem alguns textos de ótima qualidade!

Sobre a responsabilidade

Discutimos muitos tópicos ao longo desta disciplina. Para mim, o mais importante – não que seja o mais importante, mas é o assunto que me causa, e é também a minha questão de pesquisa – é a relação entre ciência e verdade, passando pelo nosso lugar de pretenso/suposto saber. As referências das quais eu parti talvez sejam outras, mas o ponto de chegada é o mesmo.

A coisa está perdida. A verdade está lá fora, fora de qualquer subjetividade possível, fora de qualquer mundo possível, na medida em que o mundo é tão somente aquele construído pela subjetividade compartilhada. Nesse sentido, a ciência, como parte desse mundo em construção, não tem mais direito do que qualquer outra manifestação humana de reivindicar para si o estatuto de verdade. Se nos últimos 300 anos ela recebeu o carimbo de legítima, é preciso buscar as explicações para isso na história.

Quando eu iniciei minha graduação, lembro que a grande questão era saber se psicologia é ou não ciência. Eu entendia que o que tornava uma psicologia mais digna do que a outra – porque sabemos que há muitas psicologias – era a constatação de sua superior cientificidade. De fato, ainda me parece que a brigalhada entre as diferentes escolas se baseia em acusações que poderiam ser resumidas em: “eu sou menos metafísico do que você, o que você faz é uma gambiarra subjetivista.” E se pensarmos a história da psicologia, não foi desde o começo uma corrida em busca da objetividade?

Eu não vou defender aqui que a psicologia seja ou não uma ciência. Minha questão é: qual é a vantagem em ser? Em que a ciência é superior aos outros saberes? Sem dúvida, nessa modernidade em que vivemos, ela é mais legítima – na medida em que é legitimada pelas pessoas – e para nós psicólogos há muitos benefícios em nos intitularmos cientistas. Podemos nos valer dos argumentos de autoridade. Podemos dizer para os outros o que eles devem fazer. Podemos afirmar: “você tem vocação para a engenharia, e não para a biologia. Eu sei, porque sou um cientista e apliquei um instrumento objetivo para chegar a esse resultado.”

É confortável também para aquele que recebe o seu diagnóstico. Digo isso porque nós reivindicamos liberdade, mas ao mesmo tempo sabemos bem como a liberdade é angustiante. Com a liberdade vem junto a ética, a implicação e a responsabilidade. É muito mais seguro cursar engenharia porque o psicólogo assim recomendou – e se der errado culpá-lo por isso – do que fazer sua própria escolha e responder inteiramente por ela. A verdade é que nós adoramos os especialistas, plenos de saber. Eu lembro de uma professora que dizia, a esse respeito, que atualmente ninguém precisa mais se dar ao trabalho de pensar sobre a origem e a finalidade da vida, pois todos estão convencidos de que em algum lugar há um cientista – provavelmente nos EUA ou na Alemanha – que busca por essas respostas num laboratório sofisticadíssimo. Em breve, acreditamos, seus achados estarão disponíveis na wikipédia.

É claro que essa submissão tem conseqüências. “Nunca fomos modernos”, certo? Ficamos com o sofrimento psíquico, e voltamos ao psicólogo, já que ele deve saber como curá-lo.

Tudo isso para dizer que a psicologia é do campo da ética. Se sabemos disso e ainda assim reivindicamos a autoridade da objetividade, agimos de má fé. Sendo assim, nos resta ficar com a angústia da responsabilidade por cada escolha que fazemos no exercício de nossa profissão, assim como nos outros aspectos de nossas vidas.

Marina Cardoso

Quem disse que os instrumentos têm que ser feios, bobos e chatos?

Na última aula do curso foi esta frase a que mais me marcou, fiquei pensando no quanto torcemos o nariz para certos espaços só porque até o momento eles foram utilizados de determinada maneira. O laudo foi o exemplo dado, mas poderíamos pensar em outros. Será que um psicólogo que ocupa um cargo na polícia já fez, somente por estar ali, uma escolha reacionária? Será que falar em ocupar espaços de representação estudantil é algo ultrapassado? Acredito que não, mais ainda, acredito no quão é importante ocupar estes lugares para que possamos reinventá-los. É claro que em muitas ocasiões podemos inventar novos instrumentos e novos espaços para o exercício de uma micropolítica. Mas um caminho não exclui outro, embora, por vezes, possam parecer bem diferentes.
A imagem que me vem à cabeça neste momento é a de dois cineastas François Truffaut e Jean-Luc Godard, o primeiro parece compactuar com a narrativa tradicional, mas logo percebemos que seus personagens e suas histórias não nos levam a reflexões capturadas pelo discurso tradicional, já Godard rompe com a narrativa convencional e reinventa o próprio discurso fílmico. Há pouco tempo um documentário sobre os dois foi exibido nos cinemas, o que acendeu uma velha polêmica entre aqueles que acham necessário eleger o melhor entre um dos dois. Eu, particularmente, admiro os dois; e acho que a busca pelo melhor é algo muito chato, seja entre duas formas de filmar ou entre duas formas de atuar politicamente.

Willy H. Rulff

Sobre as Práticas de Auxílio Vocacional

No decorrer da disciplina pude desconstruir as práticas de orientar vocações sob o aspecto da naturalização que classifica o sujeito a partir de categorias pré-definidas e rígidas e opera na canalização das aptidões e capacidades humanas voltadas para o trabalho. Segundo esta prática, apontam-se as verdadeiras vocações, dando o veredicto final sobre a escolha da profissão.

Tais práticas atingem principalmente os jovens nas suas angústias e conflitos pessoais acerca da escolha da profissão. Na ânsia de obter um posicionamento e direcionamento que defina a sua escolha, esses jovens acabam encontrando, na atuação do psicólogo, respostas prontas para suas demandas a respeito da carreira a ser seguida.

Tais respostas são obtidas através de práticas instrumentalizadas, testes, técnicas e procedimentos que objetivam orientar os clientes no sentido de uma profissão que esteja pautada de acordo com suas aptidões, deixando de considerar o sujeito como um agenciamento coletivo de enunciação, e negligenciando os atravessamentos histórico-sociais que perpassam a vida desse sujeito.

A análise do vocacional, por sua vez, propõe outra modalidade de intervenção que está baseada na problematização da produção de escolhas utilizando o dispositivo grupo como potencializador da diversificação dos modos de experienciar as situações corriqueiras. Sendo assim, as possibilidades de escolhas e o modo de escolher dos clientes são ampliados e trazidos à consciência desses, provocando a partir disso, um estado de awareness. Com isso, o cliente poderá refletir sobre suas prioridades ao construir critérios para efetuar uma escolha, e, nesse sentido, poderá estar cônscio dos valores que lhe são caros ao escolher uma profissão.

Kely Mafra S. Patricio

Post Gigante - parte 2

Continuando na escrita obsessiva pouco-original, mas confortável.

Frotté [6] propõe rupturas na orientação vocacional – não no sentido de propor um modelo novo, mas no anúncio de outras possibilidades de vivenciar a escolha profissional. Sua proposta - assim como a da disciplina de um modo geral - é complicada de se entender, porque os meios, o processo, são postos em cena como atores principais, quando estamos acostumados a tê-los como coadjuvantes. A prática da orientação vocacional acostumou-se a dar respostas, a dizer “é isso!”, o que dá certo lugar para a inquietação adolescente de saber o que fazer enquanto profissão pelo resto da vida. Quando a proposta é dar ênfase ao processo de escolha, e não à escolha em si, como resultado certo, um estranhamento é sentido quase que imediatamente. Seguindo o questionamento que a autora traz: “como produzir um desmantelamento de modos de viver tão contidos em seus projetos e sonhos e propor um convite ao estranhamento, ao olhar curioso, compondo outros mapas de vida?”. Chega a ser algo frustrante – quase sádico – responder a uma pergunta com milhões de outras que acabam mais por confundir do que outra coisa.

Eu tô te explicando
Prá te confundir
Eu tô te confundindo
Prá te esclarecer
Tô iluminado
Prá poder cegar
Tô ficando cego
Prá poder guiar

Tô com Tom Zé. Quem somos nós para dar respostas?

Frotté vai trazer o pensamento de Castel acerca do desmantelamento da sociedade salarial. O contínuo “escolaridade, depois aprendizagem, casamento e entrada por quarenta anos numa vida profissional contínua, acompanhada de uma curta aposentadoria” foi abalado. As macro-mudanças nos desasseguram, pois nos lançam na incerteza. Não encontrar um emprego, não escolher bem a profissão, não ter dinheiro para viver bem, não ser feliz, não ter sucesso etc. são inseguranças que já passaram pela cabeça de cada um de nós. A orientação vocacional funcionava como resposta a muitas dessas questões. Mas o tipo de resposta pressupunha um tipo de sujeito desimplicado do seu papel de escolha. O resultado do exame determinava qual era a escolha certa e ponto final. A proposta que se faz é escapar desse modelo fechado, problematizá-lo, entender como ele se formou enquanto tal. O pensamento que na aparência é puramente destrutivo ganha um tom de reconstrução.

É aí que o pensamento de Barros [7] entra. Para que a transformação/reconstrução seja feita, é preciso apostar no coletivo, no grupo. Segundo ela, trata-se na aposta de uma clínica indissociável da política, tal como Abreu e Coimbra [5] sinalizaram. Barros diz que “Toda análise, toda clínica, é política, porque problematiza os lugares instituídos, as dicotomias naturalizadoras, porque pergunta sobre os modos de constituição das instituições”. E o grupo opera na fronteira entre a clínica e a política. O dispositivo grupal é tomado como jogo de forças micropolíticas, sempre longe do equilíbrio. Para se fazer pesquisa com esses grupos, é preciso um método diferente. Como coloca Rolnik [8], não se trabalha com objetos, mas com fluxo de forças. A instituição vai ser entendida enquanto coletivo de forças, e fazer pesquisa sobre isso é ter algo em constante movimento enquanto objeto. Nesse sentido, o que se faz é acompanhar processos, e não representar objetos. O método cartográfico proposto vem embasar a prática da análise do vocacional.

A falta de tempo me impede de continuar. Como fechamento, deixo registrado meu apreço pela matéria. Apesar de algumas vezes perder a paciência com algumas discussões sobre o mesmo ponto, foi realmente proveitosa a discussão. Recebemos um “convite ao estranhamento” no início desta disciplina. O convite foi aceito com prazer!


[6] FROTTÉ, M.D. Provocando rupturas na orientação vocacional. In: Analítica do vocacional: percursos e derivas de uma intervenção. Dissertação (Mestrado em Psicologia). UFF: 2001.
[7] BARROS, R.B.D. Introdução. In: Grupo: A Afirmação de um Simulacro. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2007.
[8] ROLNIK, S. O Cartógrafo. In: Cartografia Sentimental: Transformações Contemporâneas do Desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.

André Luiz Vale

DEPOIMENTO

Tenho 37 anos, sou Contadora, pós-graduada em Gestão em Finanças e há quase 5 anos escolhi abrir mão de um cargo de Analista Financeiro em uma multinacional espanhola para voltar para o banco de um pré-vestibular, para tentar Psicologia. Felizmente fui bem sucedida, passei para a UFRJ e hoje estou aqui. Geralmente quando conto essa história as pessoas arregalam os olhos e exclamam: nossa, que coragem! E eu penso: realmente, só eu sei o que precisei confrontar dentro de mim mesma para fazer essa escolha.
Fui uma jovem inexperiente, não tinha muita maturidade para a vida. Meus pais, por outro lado, se preocupavam em me oferecer um bom estudo, mas não primaram por me oferecer uma orientação com relação à escolha da minha profissão. Também não tive a oportunidade de passar por um processo de orientação vocacional, então segui a minha própria cabeça. Na época eu tinha uma amiga que estava se dando muito bem no curso de Contábeis, estava bem empregada na IBM, então vivia tentando me convencer a seguir a mesma carreira. E eu, como me conhecia pouco e estava mais preocupada em ganhar bem e conseguir uma boa colocação no mercado de trabalho, acabei escolhendo essa profissão. No início tudo correu bem, fiquei empolgada pois, como o curso era noturno, pude ingressar cedo no mercado de trabalho. Migrei para a área financeira, e, para continuar a crescer profissionalmente fiz também o curso de pós-graduação.
Eu me casei bem cedo, aos 21 anos, de modo que quase todo o meu desenvolvimento profissional ocorreu enquanto cuidava da casa e de um marido. O casamento durou quase 8 anos, tendo terminado quando eu beirava os 30 anos. Nessa época, eu já ocupava um cargo de maior responsabilidade na empresa. À medida que fui crescendo e tendo maior noção do que era a profissão que eu escolhi, algo começou a mudar dentro de mim. Já não me sentia feliz fazendo o que eu fazia, não me identificava com a função e ir trabalhar todos os dias se transformou num fardo. A única coisa que me motivava era a remuneração, que era satisfatória e me dava independência. A angústia era crescente. Por um lado gritava forte em mim a vontade de trabalhar em algo relacionado a Humanas; por outro, pesava o fato de eu já ter me estabelecido em uma profissão que me dava retorno financeiro. Como eu poderia “jogar fora” todo o investimento feito durante aqueles anos? Mas também como poderia continuar a trabalhar em algo apenas por dinheiro, sendo infeliz? Esse conflito me acompanhou durante mais de um ano. Tive problemas de saúde, me sentia perdida, sem saber o que fazer. Durante esse tempo passei por um longo processo de introspecção, me observando, procurando me conhecer melhor. Até que tomei coragem, e decidi que tentaria Psicologia. Antes de abandonar o emprego me submeti a um processo de orientação vocacional tradicional, voltado para adultos. O processo me ajudou muito, pois confirmou as impressões que eu tinha sobre mim mesma, e me deu mais confiança para fazer o que eu fiz. Foi a decisão mais difícil da minha vida. Foi sofrida, pensada e repensada. E só fiz o que fiz porque eu tinha uma família para me apoiar, e não tinha nenhum dependente. Se eu tivesse um filho, certamente não teria feito as coisas desse modo.
Então foi com muito interesse e curiosidade que me inscrevi nessa nova disciplina. De início achei interessante a proposta. A idéia de problematizar o processo de escolhas é interessante, nova, fresca. No entanto, algumas colocações feitas em sala de aula me causaram estranheza e um certo desconforto. Como comparar um processo de escolhas tão importante como o da profissão com os critérios adotados para escolher um sorvete ou uma pessoa para ficar em uma noite, em uma danceteria? No meu ponto de vista são dimensões diferentes, com pesos completamente diferentes. Além do mais, acho que o peso das contingências da vida (os atravessamentos) foi extremamente minimizado, como se o sujeito tivesse quase que toda a responsabilidade pelo seu destino. Como se ele fosse “culpado” por “sua derrota” ou “um herói” por “seu sucesso”. Como eu bem coloquei, eu tive o apoio de uma família, não tinha filhos, enfim, ninguém sairia prejudicado com a minha decisão, a não ser eu mesma. E ainda assim, como foi difícil!! De quantas coisas eu precisei abrir mão!!
Valorizo o lado positivo da proposta, de estimular uma autoconscientização no processo de escolhas. Nem tudo é dado, não é porque um sujeito nasceu pobre e favelado que ele precisa abrir mão do ideal de cursar Medicina... Mas é necessário levar em consideração que, para um estudante de classe média alta, é bem, bem mais fácil essa opção. E que se o jovem da favela optar por ela, é necessário que ele esteja consciente também de todos os percalços, todos os obstáculos os quais terá que enfrentar. Para que ao final ele não se sinta derrotado, frustrado – um incapaz, por não ter atingido o objetivo que almejava.
Assim, confesso que me desestimulei um pouco com a cadeira... Acho que a proposta é válida, é nova. Mas acho que ela ainda precisa ser mais discutida e amadurecida antes que seja oferecida como disciplina.

Atenciosamente,
Luiza Cristina Machado Bonela Azevedo.

Welcome to the other side!


AVISO: O PRÓXIMO POST PODE CAUSAR INQUIETAÇÃO, REVOLTA E POSSÍVELMENTE NOTAS BAIXAS.

Venho aqui propor um post um pouco diferente dos anteriores. Esse post não tem o propósito de ofender ninguém, nem ser o dono da verdade, apenas uma reflexão pessoal.


Ao longo do semestre nós lemos e discutimos como o modelo de produção capitalista trabalha para criar uma individualidade separada da coletividade, mas ao mesmo tempo massificá-la. Tornar o ser humano subserviente e replicador do modelo de existir atual.

Ficou muito claro para mim o papel que o psicólogo tem nessa questão, por ocupar um lugar de poder, de verdade. Os testes psicológicos são um dos nossos muitos instrumentos, mas não são os únicos. Artigos científicos, palestras, pesquisas, tudo são ações políticas. Estão nelas impressas nossos atravessamentos e escolhas, o lugar do qual nos falamos.

Tendo isso em visto, comecei a refletir sobre a própria disciplina. Ao longo do semestre fomos convidados a sair de nossa posição de conforto e refletir sobre nossas práticas e nosso olhar sobre o mundo. Com o documentário sobre a ação no Rio Sul e as vivências dos estagiários objetivaram a construção de um novo modo de pensar, em que mais importante que o resultado de nossas escolhas, são as próprias escolhas em si.

Acredito que o intuito da disciplina fosse produzir uma inquietação nos alunos, que nos leva-se a entender o ser humano como possibilidades, onde o Psicólogo atua não normatizando, mas oferecendo novas escolhas. Uma psicologia política que ajuda na criação de um novo modo de existir no mundo e não criminaliza o diferente.


Dito isso tudo, eu ouso perguntar: E o outro lado? O que o capitalismo tem a dizer em sua defesa?

Primeiro, me questiono: qual é o papel de uma instituição?

Sei perfeitamente que ela trabalha na normatização dos sujeitos, mas imagino que ela deva ter um outro propósito . Pegando emprestado o conceito de Meme de Richard Dawkins em seu livro Gene Egoísta, a instituição só sobreviveu ao longo desses anos porque ela tem uma função social a cumprir. Ela orienta o modo de ser e existir do homem, livrando-lhe de certas ansiedades e escolhas, do desconhecido. Durante o curso muitas vezes fomos obrigados a sair de nosso lugar de conforto, de nos inquietarmos. Mas... todas as pessoas querem isso? Se nosso papel como psicólogo é apresentar novos meios de existir no mundo, não estamos normatizando o próprio processo de reflexão? Ao combatermos o monstro, não estamos nos tornando exatamente como ele?

Vamos nos lembrar do documentário. O documentário foi muito forte para mim, pois achei que ele propositalmente relega aos sem-tetos o lugar de "bons" e os funcionários/proprietários do Rio Sul de "maus". Ora, porque não vimos entrevistas com os vendedores? Com os proprietários? Quanto dinheiro foi perdido (ou ganho) naquele dia? Quantas pessoas foram demitidas (ou contratadas)?

Nós criticamos que o shopping é um lugar público, que todos devem der acesso a suas dependências. Mas, o shopping está em um terreno particular, é preciso pagar aluguel ter uma loja no Rio Sul; o Rio Sul existe como empresa (na forma de sua administradora) e como objeto de consumo (na forma de sua estrutura física). Ir ao Rio Sul não é só ir a um “templo do consumo”, é ter uma experiência social. Muitos profissionais de marketing trabalharam ao longo dos anos para criar uma imagem específica desse produto, frente aos consumidores, aos lojistas e até para si próprios. Enquanto que o protesto pode ser um sucesso do ponto de vista de práticas sociais, é um fracasso tremendo do ponto de vista empresarial. Dependo do momento, significa uma perda de milhões de reais em ativos tangíveis (no volume de compras no shopping), um dano a ativos intangíveis (a imagem do Rio Sul) e na demissão de vários funcionários

Agora é momento que eu imagino escutar: "Herege! Como ousa defender o capitalismo! Você se vendeu ao capital e agora trabalha para normatizar as pessoas! Você é um agente do sistema!"

Bem... e se eu for? Se minha escolha é consciente, ela me faz um criminoso aos seus olhos ?

Assim como todos os outros alunos, professores e autores, também sou um agenciamento coletivo de enunciação como o @André Luiz Vale postou no blog. Ao longo desses anos de faculdade fiz muitas matérias em Administração e já conversei com muitos profissionais que trabalham em empresas. Minha conclusão é que eu não acho que o lucro seja pecado, muito menos errado.

O lucro não é fácil.

É preciso investir muito tempo, dinheiro e esforço pessoal para fazer um negócio dar certo. Nada é simples ou óbvio. Não há garantias que irá dar certo, é sempre um risco, uma escolha. No mercado globalizado e mutante atual, estagnação é a causa mortis de muitas empresas e profissionais. Então para sobreviver, nós mudamos, evoluímos, pensamos em novas possibilidades. Ora, não é exatamente a estagnação, uma das críticas que fazemos durante as aulas? Será que a mudança virou a norma no mercado?

Tendo isso em vista, acho que o exercício de crítica ao Capitalismo é muito válido, mas poderia vir com uma reflexão sobre a própria crítica que fizemos. Afinal, se o motivo da crítica é que a aula/autor/professor/estagiários querem isso, nossa escolha também não está sendo imposta pelo campo sociopolítico? Não estamos consumindo uma escolha pré-determinada? Proponho uma psicologia que não desconstrua preconceitos a fim de criar outros novos, que respeite as diferenças teóricas e no modo de existir.

No final da matéria, eu resolvo escolher o diferente. Apesar de concordar com o que os autores falam, de concordar com as vivências do professor e dos estagiários, eu acredito que o sistema não é de todo ruim. Que o Capitalismo tem seus problemas, mas que ele existe por uma razão. Não acredito que haja um ser maquiavélico que controla os rumos do capital mundial, o capitalismo foi e é uma construção sócio-histórica. E tem um motivo para existir.


“Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.”

Friedrich Nietzsche





Pedro Porto Gusmão

Menino do Mato

Sobre pensar o método cartográfico, e no processo de escrever narrativas, bem como de explicitar modos de subjetivação percebidos... Um pouco de Manoel de Barros não faz mal à ninguém:

Menino do Mato - I

Eu queria usar palavras de ave para escrever.
Onde a gente morava num lugar imensamente e sem
nomeação.
Ali a gente brincava de brincar com palavras
tipo assim: Hoje eu vi uma formiga ajoelhada na pedra!
A Mãe que ouvira a brincadeira falou:
Já vem você com suas visões!
Porque formigas nem tem joelhos ajoelháveis
e nem há pedras de sacristia por aqui.
Isso é traquinagem da sua imaginação.
O menino tinha no olhar um um silêncio no chão
e na sua voz uma candura de Fontes.
O Pai achava que a gente queria desver o mundo
para encontrar nas palavras novas coisas de ver
assim: eu via a manhã pousada sobre as margens do
rio do mesmo modo que uma garça aberta na solidão
de uma pedra.
Eram novidades que os meninos criavam com as suas palavras.
Assim Bernardo emendou uma nova criação: Eu hoje vi um
sapo com olhar de árvore.
Então era preciso desver o mundo para sair daquele
lugar imensamente e sem lado.
A gente queria encontrar imagens de aves abençoadas
pela inocência.
O que a gente aprendia naquele lugar era só ignorâncias
Para a gente bem entender a voz das águas e
dos caracóis.
A gente gostava das palavras quando elas perturbavam
o sentido normal das idéias.
Porque a gente também sabia que só os absurdos
enriquecem a poesia.


Ana Chacel




Como nosso estimado companheiro abaixo eu também deixei para postar no último, tá certo que foi uma escolha não muito feliz mas ainda uma escolha...
a graça de fazermos uma matéria de potencial tão rico e diferente das que temos frequentemente nem nosso instituto é que ela muda a nossa postura/perspectiva em relação ao nosso posicionamento em meio ao "todo".

Antes disso e em que matérias nós começaríamos a problematizar, questionar uma simples falha como "a eu não tive escolha"? Poucas? Muitas?
Antes disso eu particularmente me preocupava mais no uso de verbos e palavras que eu iria usar do que na minha posição dentro do conteúdo, influência de umas linhas teóricas que amo (sabe aquela linhazinha que adora a fala e o inconsciente) imagino eu rsrsrs.

Enfim antes de assistir as aulas do Pedro Paulo e iria simplesmente culpabilizar a situação econômica do mundo que me faz trabalhar num restaurante até o meio da madrugada e chegar acabado em casa pra poucas horas depois eu já tá de "pé" na faculdade.

Mas deixa eu tentar focar um pouco...
através do conhecimento que nos dispomos a apreender e utilizar nessa aula percebemos que há inúmeros agenciamentos, atravessamentos, forças, instituições (e n palavras legais que não faz sentido eu dissertar pois já foi feito em aula e aqui), que nos formam e modificam e essas tantas palavras são frutos de nossa produção.
Até aí tudo lindo, mas como fazer uso disso, ou melhor, como tomar e tornar tal área uma área renovada?

Algo que me me deixa ansioso e não sai da minha cabeça é isso, não devemos ser produtores de uma nova leitura ou devemos ser leitores de um assunto que pode ser cristalizado?

Aprender a desconstruir é interessante, mas é "sincero"?
Não compreendo bem o desconstruir pois nós não desfazemos conceito só feito, no máaximo nós o analisamos, modificamos e falamos que houve uma desconstrução...
mas não creio que o seja, pois o conceito esta lá, continua como antes, pois ele é uma produção sócio-histórico-cultural e como tal ela está "pregada" num dado momento, e este momento pode sempre ser resgatado mediante a sua busca.

Acredito que a desfamiliarização, ufa quase que não saiu rs, seria algo que deve ser mais dito...
aqui nós tentamos nos distanciar do familiar e "embarcar" em algo novo, pra-frentex.

E só pra não perder o barco da criatividade eu lhes indago, porque não utilizar a nova perspectiva de homem aqui nos apresentada e tentar uma introdução desta em teorias já enrigessidas?

O que seria da psicanálise se falássemos de uum homem atravessado? O id ddeixaria de ser o que é? A formação do complexo de Édipo muadria? A pulsão entraria em crise?
Ora, o homem não pode ser um produtor e produto de uma relação social, atravessado pela sociedade e instituições? A formação de uma moral não parte disso?

A falando em novas leituras, desfamiliarização e tal
A charge lá em cima é um papo cabeça entre Deus, Adão eeee
sim ele
Nietzsche

Isso tudo foi uma fala de Salsa, o melhor para seu dia em frente ao PC

Novas leituras, desfamliarizar... desabafo e tudo junto rs


Como nosso estimado companheiro abaixo eu também deixei para postar no último, tá certo que foi uma escolha não muito feliz mas ainda uma escolha...
a graça de fazermos uma matéria de potencial tão rico e diferente das que temos frequentemente nem nosso instituto é que ela muda a nossa postura/perspectiva em relação ao nosso posicionamento em meio ao "todo".

Antes disso e em que matérias nós começaríamos a problematizar, questionar uma simples falha como "a eu não tive escolha"? Poucas? Muitas?
Antes disso eu particularmente me preocupava mais no uso de verbos e palavras que eu iria usar do que na minha posição dentro do conteúdo, influência de umas linhas teóricas que amo (sabe aquela linhazinha que adora a fala e o inconsciente) imagino eu rsrsrs.

Enfim antes de assistir as aulas do Pedro Paulo e iria simplesmente culpabilizar a situação econômica do mundo que me faz trabalhar num restaurante até o meio da madrugada e chegar acabado em casa pra poucas horas depois eu já tá de "pé" na faculdade.

Mas deixa eu tentar focar um pouco...
através do conhecimento que nos dispomos a apreender e utilizar nessa aula percebemos que há inúmeros agenciamentos, atravessamentos, forças, instituições (e n palavras legais que não faz sentido eu dissertar pois já foi feito em aula e aqui), que nos formam e modificam e essas tantas palavras são frutos de nossa produção.
Até aí tudo lindo, mas como fazer uso disso, ou melhor, como tomar e tornar tal área uma área renovada?

Algo que me me deixa ansioso e não sai da minha cabeça é isso, não devemos ser produtores de uma nova leitura ou devemos ser leitores de um assunto que pode ser cristalizado?

Aprender a desconstruir é interessante, mas é "sincero"?
Não compreendo bem o desconstruir pois nós não desfazemos conceito só feito, no máaximo nós o analisamos, modificamos e falamos que houve uma desconstrução...
mas não creio que o seja, pois o conceito esta lá, continua como antes, pois ele é uma produção sócio-histórico-cultural e como tal ela está "pregada" num dado momento, e este momento pode sempre ser resgatado mediante a sua busca.

Acredito que a desfamiliarização, ufa quase que não saiu rs, seria algo que deve ser mais dito...
aqui nós tentamos nos distanciar do familiar e "embarcar" em algo novo, pra-frentex.

E só pra não perder o barco da criatividade eu lhes indago, porque não utilizar a nova perspectiva de homem aqui nos apresentada e tentar uma introdução desta em teorias já enrigessidas?

O que seria da psicanálise se falássemos de uum homem atravessado? O id ddeixaria de ser o que é? A formação do complexo de Édipo muadria? A pulsão entraria em crise?
Ora, o homem não pode ser um produtor e produto de uma relação social, atravessado pela sociedade e instituições? A formação de uma moral não parte disso?

A falando em novas leituras, desfamiliarização e tal
a charge lá em cima pra quem não conhece é de um papo cabeça entre Deus, Adão eeee
sim ele...
Nietzsche

Tudo isso foi elaborado por Salsa, o melhor para o seu dia em frente ao PC.

Post Gigante - parte 1

Como um bom adepto da procrastinação acadêmica, adiei até o último momento a escrita deste post. Pensar escolhas é algo complicado, e implicar-se complica mais ainda – talvez esta a razão pra demora. Enquanto disciplina, a Análise do Vocacional nos convocou o tempo todo a colocar em análise o processo de escolhas – não somente a escolha profissional, mas qualquer escolha que um sujeito faz diante possibilidades várias. Ponto nodal para se fazer isso é a concepção de sujeito em que o curso se embasa: não se trata do sujeito clássico com uma essência a ser desvelada, mas de um agenciamento coletivo de enunciação. Algo difícil de imaginar e que produziu as mais variadas discussões durante a disciplina, em parte devido ao não-embasamento teórico suficiente para dar conta do que é isso em termos práticos.

Mas afinal de contas, o que é um “agenciamento coletivo de enunciação”? Iniciamos o curso com Guattari e Rolnik [1] para entender isso. Os autores propõem a contraposição da idéia tradicional da filosofia e das ciências humanas, que entende o sujeito como sendo algo do domínio de uma suposta natureza humana - i.e., o sujeito tem um núcleo, uma base, uma essência que precisa ser conhecida, investigada e, a partir dessa essência, pode-se conhecer seus comportamentos, suas atitudes, seus porquês, etc. -, para a idéia de uma subjetividade de natureza industrial, maquínica - ou seja, essencialmente fabricada, modelada, recebida, consumida: assim como se fabrica leite em forma de leite condensado, com todas as moléculas que lhe são acrescentadas, injetam-se representações nas mães, nas crianças etc. como parte do processo de produção subjetiva. Sem pensar o sujeito como produto de uma natureza, o que está presente na produção de sujeitos?, i.e., como se organizam subjetividades? Segundo os autores, há grandes agenciamentos sociais que se coordenam e modificam algo, produzindo subjetividade. O destaque é na produção (na transformação, na verdade), e não na subjetividade; no processo, que envolve várias partes organizadas. Para eles, a subjetividade não é passível de totalização ou de centralização no indivíduo. Uma coisa é a individuação do corpo. Outra é a multiplicidade dos agenciamentos da subjetivação: a subjetividade é essencialmente fabricada e modelada no registro do social; ela está em circulação nos conjuntos sociais de diferentes tamanhos; ela é essencialmente social, e assumida e vivida por indivíduos em suas existências particulares.

Partindo desse ponto, a disciplina seguiu a linha de desconstrução da noção de infância como algo natural e universal, como estando cristalizada em uma estrutura temporal. Utilizou-se o pensamento de Ariès [2], o qual traça um panorama histórico das representações artísticas das crianças, partindo da miniaturização dos adultos, típicas dos séc. XII-XIII, na Idade Média. Ele aponta que, até por volta do séc. XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la, sendo provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo. Até o fim do séc. XIII não existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido. Isso faz pensar que no domínio da vida real, e não mais apenas no de uma transposição estética, a infância era um período de transição, logo ultrapassado, e cuja lembrança também era logo perdida. Ariès continua, dizendo que nos séc. XV e XVI, as pinturas não se consagravam à descrição exclusiva da infância, mas sugerem que na vida cotidiana as crianças estavam misturadas com os adultos, e toda reunião para o trabalho, o passeio ou o jogo reunia crianças e adultos. A partir daí, pode-se discutir como que a concepção de infância que temos hoje é algo construído sócio-historicamente, não sendo natural. O “sentimento de infância”, como um modo de encarar as crianças, e a “infância” como fase da vida independente das outras (adolescência, juventude e idade adulta) são bastante recentes e contemporâneas ao surgimento da família e da própria escola que, segundo Ariès, “retiraram juntos a criança da sociedade dos adultos”. Isso porque, na Idade Média, a indiferenciação entre as categorias das “idades da vida” produzia quase um total descaso com as crianças, tanto no que se refere à educação, quanto à saúde e mesmo ao afeto de que poderiam ser depositárias. Nesse sentido pôde-se chegar à discussão de quais são as categorias de organização que nos são impostas: infância é uma delas, dentre milhares de outras.

A matéria percorreu o caminho do questionamento acerca dessas categorias de organização para poder pensar na orientação profissional - sendo a profissão entendida (e questionada, claro) também como uma grande categoria de organização que nos é imposta. Sendo a escolha de uma profissão algo atávico, basta desvelar da melhor maneira possível a escolha certa - e daí tem-se todo o fundamento para as práticas de orientação vocacional. Sparta [3] nos mostra como a orientação profissional pôde ser desenvolvida no Brasil. Parte da Europa do séc. XX, na qual a orientação profissional nasce como uma prática diretamente ligada à lógica industrial, com o objetivo claro de evitar acidentes de trabalho (trabalhadores inaptos não poderiam realizar determinadas atividades; seria preciso a seleção de um homem certo para o cargo certo). Passa pela emergência da Psicologia Diferencial e da Psicometria, que influenciaram (e ainda influenciam) grandemente a prática da orientação profissional, através dos testes de inteligência, aptidões, habilidades etc. Nesse momento, a orientação passa a ser “um processo fortemente diretivo, em que o orientador tinha como objetivos fazer diagnósticos e prognósticos do orientando e, com base nesses procedimentos, indicar ao mesmo profissões ou ocupações apropriadas” (p.2). Como coloca a autora, a orientação profissional no Brasil nasce imersa no paradigma psicométrico, tendo como base essa ideia de que o processo de orientação é diretivo, sendo papel do orientador indicar o caminho certo a ser seguido pelo orientando, a partir de testes.

É nesse contexto que se inseriu a crítica de Patto [4] à razão psicométrica. A autora coloca que o exame psicológico, como regra, acaba por justificar cientificamente, i.e., pretensamente de forma isenta e objetiva, a desigualdade e a exclusão, uma vez que ignoram a dimensão política das afirmações que são feitas e se esgotam no plano das diferenças individuais. Diz que discutir o exame psicológico não é uma questão de pôr em confronto opiniões pessoais, mas se trata de uma discussão muito mais ampla que diz respeito à própria concepção de ciência e a filiação da Psicologia a esse modelo: é necessário questionar essa Psicologia que está a serviço da criação de instrumentos para fins de avaliação e classificação de indivíduos. Há toda uma dimensão política que não pode ser ignorada sob o pretexto da isenção científica. É nesse sentido que Abreu e Coimbra [5] vêm problematizar a separação entre clínica e política – se entende-se a clínica enquanto “prática micropolítica engajada no processo revolucionário operado pelas forças desejantes” e a política como “expressão de forças coletivas que, ao permear a vida, produzem os humanos dessa ou daquela maneira”, a separação entre as duas é vista como uma tentativa de retirar do humano sua “potência crítico-inventiva de criação de muitas maneiras de existir, pensar, agir, perceber, sentir e, enfim, viver”. Não é possível então, repete-se, ignorar a dimensão política do exame psicológico sob o pretexto da isenção científica, uma vez que tal prática se constitui enquanto uma técnica de poder que atua na formatação do homem baseando-se nas exigências de uma nova configuração das forças sociais, o que politiza toda e qualquer prática, por mais pretensamente isenta que possa se afirmar. É nesse ínterim que as autoras afirmam “que toda clínica é, a um só tempo, produto e produção de uma certa política de subjetivação”.

São esses pressupostos que baseiam toda a construção da proposta de uma Análise do Vocacional, em contraposição a uma Orientação. Tal proposta será objeto da segunda parte deste post.


[1] GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografias do Desejo. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 33-61.

[2] ARIÈS, P. O sentimento da infância. In: História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981. p. 29-164.

[3] SPARTA, M. O desenvolvimento da orientação profissional no Brasil. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 4, n. 1/2, p. 1-11, 2003.

[4] PATTO, M.H.S. Para uma crítica da razão psicométrica. Psicologia USP, v. 8, n. 1, 1997.

[5] ABREU, A.M.R.M.; COIMBRA, C.M.B. Quando a clínica se encontra com a política. In: MACIEL JÚNIOR, A.; KUPERMANN, D.; TEDESCO, S. (Orgs.). Polifonias: Clínica, Política e Criação. Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2005.


André Luiz Vale.

Incerteza permanente

Sartre dizia que o homem está condenado a ser livre. Concordo com o autor quanto ao fato de sermos responsáveis por nossas ecolhas. Afinal, até "não escolher" não deixa de ser uma escolha. Porém, o próprio Sartre reconhece que nossas escolhas não são ilimitadas, na medida em que estamos inseridos em um determinado campo de possibilidades.
O mundo sempre esteve cheio de escolhas, mas até algum tempo atrás algumas delas nos eram impostas. Houve um tempo em que um filho de carpinteiro estava determinado a ser carpinteiro também. Não havia muito o que discutir. A tradição, as castas, o Estado eram mais opressores neste sentido. Não havia tanta liberdade. Hoje, apesar de todos os problemas sociais e econômicos, que também não deixam de ser opressores, o sujeito conquistou uma maior liberdade. Mas como diria o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, o sujeito ganhou liberdade e perdeu segurança. Ganhamos autonomia mas também mais incertezas pois já não há um tutor que defina o que devemos fazer ou um destino que nos ofereça garantias...


"A imagem do mundo diariamente gerada pelas preocupações da vida atual é destituída da genuína ou suposta solidez e continuidade que costumavam ser a marca registrada das “estruturas” modernas. O sentimento dominante, agora, é a sensação de um novo tipo de incerteza, não limitada à própria sorte e aos dons de uma pessoa, mas igualmente a respeito da futura configuração do mundo, a maneira correta de viver nele e os critérios pelos quais julgar os acertos e erros na maneira de viver. O que também é novo em torno da interpretação pós-moderna da incerteza (em si mesma, não exatamente uma recém-chegada num mundo do passado moderno) é que ela já não é vista como um mero inconveniente temporário, que com o esforço devido possa ser ou abrandado ou inteiramente transposto. O mundo pós-moderno está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é permanente e irredutível.
(...)
Viver sob condições de esmagadora e auto-eternizante incerteza é uma experiência inteiramente distinta da de uma vida subordinada à tarefa de construir a identidade, e vivida num mundo voltado para a constituição da ordem.
(...)
Os trens pré-modernos corriam previsível e tediosamente em círculos, mais ou menos como correm os trens de brinquedo das crianças. E os rios pré-modernos permaneciam em seus leitos por um tempo suficientemente longo para parecer imemorial...a estrutura de classe é tão fechada que cada um tem o lugar e o conhece – e o mantém.
...o novo, ou o melhor, ou progresso, havendo-se tornado o único destino oficial dos trens. Os lugares e seus nomes tinham então de ser feitos (e, inevitavelmente, refeitos_ enquanto se seguia). Na memorável frase de Hannah Arendt, a autonomia do homem transformou-se na tirania das possibilidades."

* Os trechos entre aspas foram retirados do livro "O mal-estar na pós-modernidade" de Zygmunt Bauman.

Marília Gavilan

Demanda e Análise vocacional

Na última aula da disciplina, o professor trouxe a questão da devolutividade obrigatória do psicólogo. Achei muito importante discutirmos questões relativas à regulamentação da nossa profissão porque é algo de que praticamente não se escuta falar no curso de psicologia e que ainda é algo muito desconhecido entre os alunos e profissionais da área, infelizmente.
Além dos esclarecimentos muito precisos sobre os instrumentos do qual o psicólogo dispões para efetuar a devolutiva, a discussão sobre essa prática me fez pensar na disciplina como um todo.
Pude observar que muitas dúvidas giravam em torno das demandas feitas ao psicólogo e sobre como respondê-las.
Se pararmos para pensar sobre o assunto, talvez a demanda seja uma das grandes questões do psicólogo, uma vez que permeia esta profissão de forma muito proeminente e particular. Ao psicólogo são endereçadas demandas constantes, mas isso não é exclusividade desta profissão. A maioria dos serviços prestado surgem para atender uma demanda. A questão que me parece singular na Psicologia são as possibilidades de resposta aos pedidos que são feitos a um profissional desta área.
Em muitas profissões, o trabalho consiste em justamente tentar proporcionar ao cliente exatamente o que foi pedido. Quanto mais precisa e eficiente a resposta melhor, afinal “o cliente tem sempre a razão”.
E na Psicologia? Será que atender a demanda inicial que nos chega é a melhor forma de prestar nossos serviços?
Me parece que em algumas situações, é justamente quando o psicólogo não atende o pedido, pelo menos não da forma esperada, é que faz um bom trabalho. Me pergunto se não é esse o caso da Análise vocacional...
O serviço de análise vocacional, orientação vocacional, ou outros nomes que possa vir a receber, cumpre seu papel melhor quando responde ao que lhe é pedido? Ou pelo contrário, sua potência está em não responder o que lhe é demandado?
Não estou questionando a obrigatoriedade da devolutiva de forma alguma. Acredito que algum retorno precisa ser dado ao paciente/cliente. A questão que coloco aqui é se essa resposta deve ser aquela que o paciente espera ouvir.
Quando um estudante procura um psicólogo para lhe ajudar a escolher uma profissão, muitas vezes espera que este profissional, tido como qualificado e especializado no assunto, lhe aponte qual caminho seguir. Alguns profissionais parecem acreditar que esta é o seu papel e terminam por decidir, após a aplicação dos testes mais variados, qual é a profissão que cabe a este ou esta jovem cursar. Se não são capazes, ou não julgam pertinente, dizer a profissão exata pelo menos demarcam uma área ampla de atuação ou quem sabe elencam algumas possíveis profissões. Sem querer desrespeitar esses profissionais e seus testes, essa não me parece ser a melhor resposta.
Estou chegando ao fim do curso e sinceramente não me sinto capaz de escolher por alguém. Quem pode conhecer melhor sobre si do que o próprio sujeito? Se me perguntarem qual profissão seguir, sinto muito, mas não tenho a resposta. Talvez seja melhor perguntar ao polvo alemão que vem fazendo sucesso acertando os resultados dos jogos na copa, de repente o molusco também é bom em desvelar vocações. Ele certamente acertou mais placares no bolão do que eu.
Não acredito em vocações pré-determinadas assim como não acredito em polvos videntes. Por outro lado, compreendo a tentação de responder ao que nos é perguntado. Não é fácil suportar a o sofrimento do outro. O sofrimento é legítimo e querer ajudar também. Sustentar a posição do problematizador talvez seja mais difícil do que a do solucionador, mas me parece que pode vir a ser mais gratificante quando bem sucedida. Fiquei me perguntando se o incomodo que tomou conta da turma não teria algo a ver com essas questões... afinal estamos todos experenciando a dificuldade de escolher uma profissão, uma escolha que precisa ser refeita a cada dia. Eu partirculamente já estou na segunda tentativa e cá entre nós, que ninguém nos ouça, mas tem dias que tudo o que eu mais quero é que alguém escolha por mim. Será que o polvo topa?

Marília Gavilan

A Escolha é dele...

No filme Crimes e Pecados, o personagem interpretado por Woody Allen diz: "Nós somos a soma das nossas decisões". Resumindo: nós somos o que a gente escolhe ser. E o destino não entra nessa história?! O indivíduo também decide se o destino vai ou não fazer parte da sua vida. “Deixa a vida me levar” também é uma opção. A escolha é dele...

Desde pequenos aprendemos que temos opções e que elas estão ai para serem escolhidas e é de opções em opções que estamos traçando o nosso caminho na vida. Escolher a profissão é um marco na vida da maioria das pessoas. A escolha é um processo de exclusão e nesse momento o jovem sofre a pressão da família, da sociedade e dele mesmo para fazer a escolha certa. Afinal, existe escolha certa e escolha errada? Depende do que é considerado para o indivíduo como uma escolha certa e como uma escolha errada. Ele pode achar que fazer uma escolha certa em relação à profissão a se seguir, é escolher uma profissão que o dê dinheiro, ou que ajude a sua comunidade, ou uma profissão que lhe dê prazer e felicidade. A escolha é dele...

Os jovens ao procurarem a Orientação Vocacional buscam respostas sobre o seu questionamento de qual profissão deve escolher. Após uma bateria de testes e entrevistas é determinado quais profissões tem mais haver com o jovem. Se as profissões determinadas pela Orientação Vocacional vão influenciar ou não no processo de escolha da profissão. Se o critério utilizado pelo indivíduo para a escolha da profissão é do bom retorno financeiro proporcionado por ela e/ou do prazer obtido em sua execução. A escolha será sempre dele...

Mas calma...Estamos partindo do pressuposto que todos querem ter uma profissão. E quem não quer seguir profissão alguma? Ah, nesse caso, a escolha também é dele...


Julia Cravo dos Santos Braga

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Para reflexão...

Acredito que esta citação abaixo resuma bem a idéia que descrevi em outros posts, além de ser uma reflexão do conhecimento adquirido na matéria:

“Seu olhar sobre o universo que habitam é ao mesmo tempo cheio de entusiasmo e encantamento e receoso dos riscos que as infinitas opções escondem” (Maria Cecília Minayo et al., 1999)


Letícia Barros Cândido

Nadando contra a corrente - criando possibilidades num mundo de respostas prontas

Enquanto andamos pela cidade vemos ao longo do caminho anúncios e propagandas no mínimo intrigantes. São cursos, marcas de roupas, empresas, shoppings e muitos outros. Eles anunciam sentimentos, respostas, certezas e até mesmo consolos. “Escolha certo, escolha o nosso curso”, “Porque aqui você é campeão”, “Mude, eles vão notar”, “A beleza que você sempre quis”. São respostas, por mais que muitas brechas se façam entre o que é anunciado e o que lemos, está lá, com todas as palavras e nenhum compromisso. Quando vamos ao médico, levamos uma demanda, e ele nos dá um diagnóstico, que não é fechado, mas já é alguma resposta. Quando queremos emagrecer procuramos uma nutricionista, ela não faz milagre, mas nos recomenda alguma dieta, bem detalhada às vezes, e nos dá alguma resposta. É difícil escolher sozinho, a gente quer ajuda. Mas e a psicologia, o que se espera da psicologia? Os sujeitos muitas vezes esperam respostas da psicologia ou pior, buscam a psicologia por respostas, afinal somos os “especialistas em pessoas”. Mas a questão é: a psicologia pode responder? Deve responder? Quais as conseqüências disso? Pois é, já vimos casos em que a psicologia respondeu de alguma forma. Por exemplo, em nosso estágio em hospitalar certa vez uma paciente como de costume relatou sua história de vida, sua trajetória na doença e disse que seu filho, o único adotivo dos 3 que possui (2 meninas e ele) lhe causa muitos problemas, muita angústia, pois ele mente, esconde dinheiro, age de forma diferente das outras filhas. Essa paciente nos relata ter feito acompanhamento psicológico por um tempo, antes de ser internada, e durante este disse ter mencionado a questão de seu filho e enfatizou que só lá entendeu o porque de seu filho ser tão diferente. Ao contar à sua psicóloga sobre seu filho, a profissional parece ter tido cautela a princípio, questionou algumas coisas, pontuou outras e tudo muito bem, até que num certo dia, por um breve momento, enquanto se despedia da paciente lhe disse em tom baixinho “cá entre nós, a questão de seu filho talvez seja outra, sabe como é né, você não sabe quem são os pais dele, pode ser uma questão de índole”. Ponto, a partir daquele dia a paciente passou a entender tudo, ficou muito feliz e relatou que entende tudo melhor agora, graças à sua psicóloga. A paciente ficou muito contente, mas e nós, o que podemos pensar sobre esta breve dica “in off” da psicóloga à sua paciente? Sabe quando dizem que se conselho fosse bom ninguém dava, vendia, então, a tal psicóloga vendeu conselho.
Bom, como muito discutimos a Psicologia deve apresentar uma postura diante dessa perguntas: qual a minha profissão? Sou normal? Quem do casal deve ficar com a guarda da criança numa separação? Que não seja a de responder e fixar no sujeito uma certa normatividade. Mas, de problematizar essa demanda, de criar possibilidades, de dar espaço para que as singularidades do sujeito possam falar. Entendendo que não temos um sujeito a desvelar, uma “índole” a conhecer, mas que podemos ser instrumento de um processo invenção de possibilidades...
Mesmo que seja “nadando contra a corrente, só pra exercitar todo músculo que sente” (Cazuza)...

Camila Carla Monteiro de A. Rocha e Nathalia Lima Silveira

Análise do vocacional: a importância do dispositivo grupo

Como muito comentado em aula, nas estratégias de atendimento utilizadas na Análise do Vocacional privilegia-se o dispositivo grupo, este aqui entendido como algo que desestabiliza e pode se agenciar com diferentes forças potentes, produzindo mudanças. O interessante do grupo é que este proporciona encontros entre modos plurais de ver e sentir o mundo. Um estar com os outros, ultrapassando o limite de suas vidas particulares, fazendo com que ligações com aquilo que nos transborda, flui, escapa das regras, das identidades, resiste em não se aprisionar e pode se singularizar.

Estabelecer contato com os outros modos de experimentar as situações cotidianas, promovendo desestabilizações em sentido já dados a determinadas experiências. Compartilhando essas experiências, se vivencia o impensado, o desconhecido, podendo dessa forma romper com algumas cristalizações e compor outros contornos de vida. Dessa forma, os jovens podem criar muitas maneiras, circunstanciais e inesgotáveis de estar no mundo.


Letícia Barros Cândido

Repensando os processos de escolha

Antigamente era a família que decidia que profissão o jovem deveria seguir, dentro de uma gama relativamente restrita de profissões consideradas “tradicionais”. Hoje as pessoas não se contentam simplesmente com uma identidade que seja “legada” ou “herdada” a partir dos valores familiares. Cada vez mais temos que decidir quem somos, como agimos, e até mesmo como parecemos aos outros. Essa diversidade de opções enquanto ao poder ser representa, por um lado, uma forma importante de liberdade, por outro lado, torna o processo de constituição da identidade adolescente muito mais complexo, já que o adolescente encontra-se em permanente reconstrução interna e precisa de referenciais, modelos através dos quais ele possa posicionar-se. O que observo é que os adolescentes vem sendo bombardeados por uma enorme oferta de modelos de identidade rápidos e descartáveis, que não oferecem um norte realmente claro. Isso acontece também na questão profissional onde muitas vezes eles acabam sendo “seduzidos” por profissões da moda ou mais exploradas pela mídia. Esses fatores, juntamente com o excesso de informação e as exigências que os adolescentes percebem à respeito do mundo do trabalho fazem com que o adolescente muitas vezes estabeleça critérios de escolha mais voltados para referenciais externos que para seus interesses, anseios e aspirações. Hoje em dia é comum escutar adolescentes que digam que querem uma profissão que dê dinheiro, não importa qual seja. Essa questão precisa, portanto ser entendida sempre dentro do momento social que estamos atravessando e como Guattari nos propõe, o sujeito (sua subjetividade) é construído pelos diversos atravessamentos sociais.

Dessa forma, a análise do vocacional e a invenção de novos possíveis torna-se importante, enfatizando a construção de processos de escolha, escapando ao que já está construído, isto é, criando novas possibilidades de escolhas que até então estavam fora de questionamento. Analisar vocações é fazer com que o sujeito esteja ciente que critérios existem (ao escolher uma profissão para agradar a mãe ou então que dê dinheiro) e fazer com que este sujeito compreenda que esses critérios podem ser construídos, reconstruídos, pensados e repensados. Em suma, esse sujeito é formado por atravessamentos sociais, encontros que agenciam, são agenciamentos coletivos de enunciação. Não há um sujeito a priori, mas sim um sujeito no aqui e agora, atravessado e que modifica-se a todo momento.

Trabalhar a escolha por uma escolha. Escolhas estas implicadas em um pensamento que cria a diferença, pensamento este que coloca o processo de escolha em questão. Análise do vocacional, portanto, consiste em trabalhar o próprio sujetio que escolhe, que não é mais submetido aos processos de biopoder (ligado à serialização) e por isso enfatiza-se o trabalho de escolhas que inventem modos inéditos de existir. Enfim, trabalhar a restituição da capacidade de escolher, superando a idéia de que escolher pressupõe possibilidades que se excluem.


GUATTARI, F; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 2000, pp.33-61.

MACIEL JÚNIOR, A. O problema da escolha e os impasses da clínica na era do Biopoder.In: MACIEL JÚNIOR, A; KUPERMANN, D; TEDESCO, S. (Orgs.). Polifonias: Clínica, política e criação. Rio de Janeiro: Contra-capa, 2005.



Letícia Barros Cândido

Eterna demanda de escolha



Esse trecho referente ao filme Trainspotting traduz um pouco a vida do personagem principal e as escolhas que o atravessavam. O que me fez pensar nas minhas escolhas. Como todos os alunos, pensei sobre o que postar nesse blog. Passei por um processo de escolha, eleger tais coisas em detrimento de outras. Confesso que me perturbou um pouco essa desconstrução de um processo de escolha já naturalizado em nós, a prova e o conteúdo dissertado em prova. E esse questionamento me fez refletir sobre as minhas outras escolhas na vida. As escolhas não estão naturalizadas em mim, talvez porque eu seja uma pessoa muito indecisa e os critérios que as atravessam não estejam tão cristalizados, o que torna as minhas decisões difíceis. O que torna essas escolhas ainda mais difíceis é a exigência de cada vez menos tempo para uma indeterminação subjetiva, esse tempo de espera e hesitação, nos impondo uma obrigação de agirmos imediatamente e de forma eficaz. Esse é um traço marcante em nossa sociedade, que tenta determinar um ritmo à subjetividade com a diminuição do intervalo entre o momento de perceber e o momento de agir. E como nos implicarmos eticamente em relação a isso, em relação à eterna demanda de escolhas que atravessa o outro, o paciente/cliente? Devemos fornecer dispositivos capazes de favorecer uma tomada de decisão baseada em uma escolha da escolha?

“O tempo indispensável para que um desejo se efetue, tempo esse inseparável das experimentações e dos agenciamentos, encontra-se cada vez mais anulado, ou melhor, controlado pelos mecanismos de poder que se exercem não apenas sobre a nossa subjetividade, mas também sobre a nossa própria condição vivente.” (Auterives Maciel)

Fernanda Leite Ribeiro